Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O rombo primário recorde de 419,2 bilhões de reais projetado para 2020 pela equipe econômica, equivalente a 5,55% do Produto Interno Bruto (PIB), ainda considera um crescimento da economia de 0,02%, visto como improvável tanto dentro como fora do governo em meio ao duro impacto do coronavírus na atividade.
A nova projeção, divulgada na quinta-feira, considerou um impacto de 30 bilhões de reais (ou 0,40% do PIB) nas contas públicas pelo ajuste da expectativa para o PIB a 0,02% este ano e pelo preço médio do petróleo Brent a 42 dólares o barril.
Esses parâmetros já tinham sido revisados pelo governo em 20 de março, contra uma alta do PIB de 2,1% e um petróleo médio de 52,70 dólares o barril. Entretanto, a equipe econômica ainda não tinha aberto se, a essa altura, ainda seguia levando-os em consideração para os seus cálculos.
A rapidez com que as expectativas econômicas têm se deteriorado na esteira do avanço do coronavírus pelo mundo dão aos cálculos um verniz excessivamente otimista na visão do economista Gil Castello Branco, fundador da Associação Contas Abertas. Ele considera o desempenho positivo de 0,02% para a economia algo "absolutamente irreal".
"Se nós em 2015 e 2016 tivemos queda do PIB de 3,5% e 3,3% sem que tivéssemos fatos tão graves, o quanto se pode estimar agora? Basta lembrar isso", afirmou.
Ele também ponderou que, diante das informações do próprio Ministério da Saúde de que a queda dos casos de infecção pelo coronavírus só deve ocorrer em agosto, será inviável manter a assistência a trabalhadores e empresas por apenas três meses como o governo inicialmente definiu.
"Eu acredito que esses números (do déficit) ainda vão crescer de forma significativa", disse ele. "Estimativas estão sendo feitas diante de uma bola de cristal. Faltam parâmetros e não se sabe exatamente por quanto tempo isso vai se prolongar."
O auxílio financeiro a informais de 600 reais, ao custo de 98,2 bilhões de reais, tem duração de 90 dias. Orçado em 51,2 bilhões de reais, o programa antidesemprego do governo, que garante uma compensação parcial aos trabalhadores que tiverem diminuição de salário e jornada, também tem a mesma duração.
Sozinhas, as duas medidas respondem por dois terços das ações do governo para o coronavírus que têm impacto primário nas contas públicas. Até agora, o pacote é de 224,6 bilhões de reais.
TOMBO À VISTA
Com as medidas de isolamento para refrear o contágio pelo coronavírus paralisando cadeias de produção, abalando mercados e afetando profundamente consumo e investimentos, as projeções para o PIB brasileiro têm adentrado o campo negativo com cada vez mais força.
Na segunda-feira, o próprio secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, reconheceu que a economia deve ficar no vermelho em 2020 e que, por isso, "perda grande de estimativa de arrecadação ainda está por vir".
Na véspera, o Bank of America passou a ver uma contração do PIB brasileiro de 3,5% este ano, ante redução de 0,5% calculada anteriormente.
Já o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, apresentou em conversa no Tribunal de Contas da União (TCU), na quinta-feira, a estimativa de queda do PIB de 5,5% traçada pela The Economist Intelligence Unit, pontuando que este é um levantamento "bastante respeitado", conforme gravação obtida pelo jornal Valor Econômico.
Novas revisões para o comportamento do preço do petróleo também devem piorar a estimativa de déficit primário neste ano. O Brent fechou o primeiro trimestre com queda de 66%, a 22,74 dólares o barril.
Nesta sexta-feira, o Brent subia quase 10%, a 32,92 dólares, em meio a conversas da Opep e aliados para acordo que garanta um corte de produção buscando conter a diminuição dos preços causada pela brusca queda da demanda em função do coronavírus.
Mesmo neste patamar, o valor ainda está praticamente 10 dólares abaixo do petróleo médio considerado pela equipe econômica para seus cálculos mais recentes para as contas públicas.
Segundo uma fonte do Ministério da Economia, um recuo de dez dólares no preço médio do Brent do ano em relação ao projetado implica perda de cerca de 10 bilhões de reais em arrecadação, sendo 5 bilhões de reais para a União e outros 5 bilhões de reais para Estados e municípios.
No Orçamento, a meta de déficit primário para o governo central foi fixada em 124,1 bilhões de reais, mas o Congresso aprovou estado de calamidade pública por conta do Covid-19, status que dispensa o cumprimento do alvo fiscal em 2020.