A relação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com o mercado financeiro, que ajudou a elegê-lo em 2018, parece ter azedado de vez desde que o mandatário interveio na Petrobras (SA:PETR4), na tentativa de conter a alta de preços de combustíveis e acenar positivamente para os caminhoneiros, parte importante da sua base eleitoral.
Analistas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo ainda tentam mensurar os efeitos no mercado das intervenções recentes do presidente, e estudam até que ponto o "efeito Bolsonaro" pesará no mercado. Nos dias que antecederam a canetada do presidente no comando da Petrobrás, a Bolsa brasileira estava acima dos 119 mil pontos. Apesar de uma alta de 1,09% na terça-feira, 2, o Ibovespa, principal índice da Bolsa, lutou para se manter no patamar atual de 111 mil pontos.
Antes da intervenção, o dólar estava em R$ 5,44. Na terça, a moeda fechou a R$ 5,67, após dois leilões do Banco Central. Em fevereiro, estrangeiros retiraram R$ 6,783 bilhões da B3 (SA:B3SA3), o primeiro mês desde setembro de 2020 com fuga de capital.
Desde a mudança forçada do presidente da Petrobras até agora, o risco país medido pelo Credit Default Swap (CDS) de cinco anos subiu 22,3%. Enquanto isso, a curva de juros futuros de cinco anos subiu quase um ponto porcentual desde janeiro, para a casa dos 8% ao ano.
Para Alexandre Schwartsman, consultor e ex-diretor do Banco Central, o mercado até agora parecia acreditar em "poderes mágicos" do ministro da Economia, Paulo Guedes. "Essas pessoas não são ingênuas, mas havia uma crença de que Bolsonaro não teria alternativa. Só que já havia um conflito potencial entre as agendas dos dois e a pandemia acirrou isso. A intervenção na Petrobrás foi um tapa na cara do mercado."
Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, é difícil que os investidores recuperem a confiança que tinham depositado no presidente em 2018, muito por causa da escolha de Paulo Guedes para o Ministério da Economia. "A desconfiança não se dá só pelo que o presidente fez na Petrobrás, mas pelo que vem pela frente: novas altas de combustíveis, pressão na energia elétrica."
Vale (SA:VALE3) ressalta que esse cenário tende a fazer com que o presidente continue impaciente e disposto a intervir. "A popularidade dele ainda está baixa, a pandemia continua forte. Ele ficará tentado buscar soluções mágicas - e não vai achá-las."
"O governo está em uma encruzilhada", resume o economista-chefe da Necton, André Perfeito. Ele explica que, ao mesmo tempo que Guedes propõe ajustes de longo prazo, Bolsonaro diz que os problemas no curto prazo estão mordendo o calcanhar do governo. "Várias coisas acontecem no curto prazo: preço dos combustíveis, o novo auxílio emergencial. E talvez não haja mais tempo para ajustes antes de 2022."
O economista avalia que o governo tem dado tantos sinais trocados de mudança de rota, com medidas que o aproximam do populismo, que os efeitos são sentidos no aumento da desconfiança. "Há um mal-estar na Bolsa. O nível de tensão está alto."
COLABORARAM ALTAMIRO SILVA JÚNIOR E DENISE ABARCA
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.