O aumento dos juros básicos é a forma de o Banco Central dar sinais de atenção para a alta preocupante da inflação nos últimos meses, segundo análise do coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Armando Castelar.
O economista lembra que os juros reais negativos de hoje não têm sido suficientes para animar a atividade econômica e que o País só vai encontrar novamente um rumo com o avanço do programa de vacinação e o fim dos desgastes provocados pelo governo federal contra Estados e municípios. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Já era mesmo hora de aumentar os juros?
É o movimento correto, a inflação tem surpreendido para cima e uma reação do Banco Central controla as expectativas e evita que ela continue subindo. Os preços subiram pelos alimentos, mas o petróleo também subiu, o que pressionou bastante o preço da gasolina. Alguns serviços, como planos de saúde, quase não tiveram reajuste no ano passado, mas o aumento vem este ano. Muito do que foi subtraído no ano passado virá em 2021. Há outra questão relevante: a inflação acumulada em 12 meses vai bater em 7% em maio, o que afeta as expectativas. Quando se olha para os resultados mês a mês também, a inflação surpreendeu para cima. O aumento de quarta-feira, 17, é sinal de que o BC está atento. Isso ajuda a tornar o ciclo de alta mais breve - e talvez até menor.
Os cortes recentes da Selic foram além do necessário?
O corte lá atrás foi maior do que o necessário. Ao reduzir os juros para 2% ao ano, gerou-se um risco maior de ter de subir a Selic antes que a pandemia estivesse resolvida. Agora, o risco se mostrou verdadeiro. O resultado é que se acelerou a necessidade de um aumento mais forte, com todas as consequências disso. Talvez o melhor tivesse sido cortar juros até 3% e esperar um pouco. Mas isso não é uma crítica de que o BC agiu errado.
Juros mais altos não devem ter um impacto forte na atividade econômica? A economia freou no fim do ano passado e devemos ter um 1º trimestre já muito ruim.
Tem um efeito direto negativo sobre os custos de financiamento, mas reduz as incertezas. Não saber se o governo está atento à inflação também gera incertezas para o investidor. Mas, para além dos juros, o que está fazendo a economia travar é a pandemia, é a falta de vacinação. Os juros reais negativos de agora não têm tido impacto grande na atividade econômica. Com os juros reais em 3% negativos, a economia deveria estar bombando. Não está, pois não é o juro que está segurando a economia. A economia está completamente dependente da vacinação, quanto antes ela acontecer, mais rápido o emprego vai se recuperar também.
Com o caos nas UTIs e o programa de vacinação em ritmo lento, corremos o risco de que 2021 seja um ano perdido?
A economia vai se sair melhor no segundo semestre, estou otimista com relação a algum avanço na vacinação. Se metade do que está prometido na compra de vacinas for entregue, vai ser bem melhor. Mas a primeira metade do ano vai ser muito ruim e tem muita heterogeneidade entre setores. O câmbio desvalorizado é positivo para a indústria, mas não há uma tendência de melhora dos serviços e o comércio teve uma parada no começo do ano também. Talvez o País tenha até uma recessão técnica no início do ano, mas que pode se reverter, em partes, no segundo semestre. Só que o desemprego será agravado.
Por diversas vezes, o presidente Bolsonaro opôs o controle da pandemia à proteção da economia. Essa escolha era real?
Eu não acho que seja assim e uma pandemia tem vários estágios. O lockdown tem impacto imediato na redução da atividade econômica, é fato, mas o que se passou a fazer em outros países foi um fechamento mais inteligente, de madrugada, e mais pontual, escolhendo bem o tipo de serviço interrompido. No Brasil, porém, há uma briga entre governo federal de um lado e Estados e municípios do outro. O resultado é a pandemia ter ficado muito maior do que deveria estar. Se tivesse sido feito um esforço pelas vacinas há seis meses, estaríamos em outra situação.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.