Por Isabel Versiani
BRASÍLIA (Reuters) - Caso vença a eleição presidencial nos Estados Unidos, o democrata Joe Biden deve manter uma política de confrontação com a China, mas com uma estratégia mais voltada à política industrial e menos focada em tarifas comerciais, avaliou o economista norte-americano Paul Krugman.
Sobre a relação dos EUA com a América Latina, Krugman diz não ter ideia clara de como as coisas podem evoluir nos próximos anos, mas sugere que a tendência é que a região continue tendo baixa relevância na pauta do país norte-americano, independentemente do curso tomado nas eleições de novembro.
"O fato é que, com exceção do México, a América Latina é quase invisível no discurso dos EUA, e até mesmo o México se desvaneceu como uma preocupação, com o declínio da migração e com o governo atual nem pró-EUA o suficiente para atrair apoio nem anti o suficiente para levantar muita preocupação", disse Krugman, ganhador do prêmio Nobel de economia, em entrevista por email à Reuters na sexta-feira.
O economista, crítico inflamado da administração Trump, se diz preocupado com a situação fiscal dos emergentes, e destaca particularmente a vulnerabilidade da Turquia.
"Estou preocupado. Pode-se argumentar que o problema dos países que não conseguem tomar empréstimos por causa do “pecado original” é menor do que no passado, com mais empréstimos se dando em moeda local. Mas ainda acho que os países emergentes têm muito menos espaço fiscal do que os países ricos, em um momento em que os gastos deficitários são essenciais", afirmou.
Ainda sobre a China, sua expectativa é que a contenda em torno da gigante de tecnologia Huawei, que tem sofrido fortes restrições a sua atuação por parte do governo dos EUA, siga sendo uma questão entre os dois países mesmo que o democrata Biden assuma o poder.
Já o aplicativo Tik Tok, que Trump quer banir dos EUA, "parece mais uma obsessão de Trump", disse o economista.
"A situação EUA-China é complicada. Por um lado, os EUA têm queixas genuínas; por outro, há muito pouco apoio à guerra comercial de Trump. Então o que Biden provavelmente faria é continuar a enfrentar a China, mas de uma forma diferente, mais focada na política industrial e com mais empenho em trazer outros países para o esforço", afirmou.
Já se Trump conquistar a reeleição, Krugman prevê que o relacionamento entre os dois países fique "muito ruim". "Sua obsessão com a China é pessoal e não muito racional", afirmou.
Krugman participará na terça-feira de congresso virtual aberto ao público promovido pela instituição de ensino brasileira Unisinos, quando falará também sobre a retomada da economia dos EUA.
À Reuters, ele disse que os dois principais desafios do seu país, para além das incertezas relacionadas à evolução da pandemia, são mudanças estruturais e de longo prazo na demanda por mão-de-obra e a estagnação secular (de longo prazo).
"Ainda temos uma tendência persistente de que a poupança desejada exceda a demanda de investimento, levando a taxas de juros baixas e capacidade limitada de responder a desacelerações", disse, acrescentando que a agenda para lidar com essa limitação passa por investimentos em infraestrutura.
Para o economista, nos últimos meses o mercado dos EUA parece estar flertando com uma bolha, com uma certa "exuberância irracional", particularmente entre pequenos investidores. Mas ele pondera que não seria uma bolha comparável ao que foi visto na crise financeira de 2008, ou anteriormente na crise das empresas de internet.
Krugman diz que não é preciso haver uma ligação estreita entre o desempenho do mercado de ações e perspectivas econômicas de curto prazo.
"As taxas de juros baixas provavelmente explicam muito do que está acontecendo; se você acha que a fraqueza atual não terá muito efeito sobre os lucros da Amazon (NASDAQ:AMZN) em 10 anos, e a taxa de juros de 10 anos está muito baixa, avaliações elevadas para a Amazon fazem sentido."
(Edição de Maria Pia Palermo)