Por Pedro Fonseca
RIO DE JANEIRO (Reuters) - O Brasil se tornou epicentro da pandemia de Covid-19 no mundo e vive um surto ainda pior do que o apontado pelos seguidos recordes de mortes e de casos, uma vez que o baixo número de testes realizados aponta para uma gigantesca subnotificação e o elevado percentual de exames positivos mostra a disseminação sem controle da doença, alertaram especialistas.
Com a maior média diária de mortes por Covid nos últimos 7 dias, o Brasil superou os Estados Unidos, com 1.626 óbitos ante 1.460 nos EUA, de acordo com cálculos da Reuters, e também é o país com o maior número de casos novos por dia em média no período, com quase 70 mil.
Pela primeira vez desde o início da pandemia o Brasil atingiu na quarta-feira a marca de mais de 2.000 óbitos por Covid-19 registrado em apenas um dia, e especialistas apontam que esse número em breve pode passar de 3.000, uma vez que a campanha de vacinação segue em ritmo bastante lento por uma falta de doses.
"A expectativa levando em consideração a não testagem de todos os sintomáticos é que o número oficial de 11 milhões de casos seja de duas a três vezes maior, dentre 22 milhões e 33 milhões de pessoas infectadas. É o padrão de uma epidemia que está completamente descontrolada do ponto de vista de transmissão", disse o médico Alexandre Naime Barbosa, chefe da infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.
"Nós estamos no pior momento, mas não chegamos no ápice. Estamos escalando essa montanha ainda, provavelmente no final de março e começo de abril serão 3.000 óbitos por dia. Podemos chegar a meio milhão de mortos até o meio do próximo ano", acrescentou.
Apesar de atravessar o pior momento da pandemia, o Brasil não cumpre uma das principais medidas recomendadas por especialistas e adotadas por outros países no enfrentamento à Covid-19, a testagem em massa e a busca ativa por casos da doença.
A média diária de exames realizados, segundo dados do Ministério da Saúde, passou 57.263 em janeiro para 47.232 em fevereiro. O recorde de testes foi atingido na penúltima semana do ano passado, com 65.441 em média por dia, e desde então o número tem apresentado tendência de queda, ficando em 43.967 na última semana de fevereiro -- a última com dados disponíveis em boletim epidemiológico do ministério.
"Temos uma situação completamente fora de controle e a tendência é que mantenha essa alta de contágio", disse o pesquisador em saúde pública Diego Xavier, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
"A positividade elevada é mais um indicador que reflete esse colapso que a gente está enfrentando. O que precisa é o rastreio de casos. Identificar, testar e isolar. Esse tipo de política que faz interromper a cadeia de transmissão, e isso a gente infelizmente não tem."
O Ministério da Saúde não respondeu a um pedido de comentário sobre a redução no número de testes. Em boletim epidemiológico sobre a pandemia, o ministério afirma que realizou a aquisição de testes de extração automatizada e o comodato de equipamentos a fim de aumentar a capacidade de análise de Covid-19.
Com a testagem baixa, o Brasil tem ainda uma taxa de positividade, ou seja, o percentual de resultados positivos no total de testes, de 28,74%, quase seis vezes acima do índice considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como adequado para se conter a pandemia, de 5%.
Na última semana de fevereiro, esse índice brasileiro atingiu 35,71%, o maior patamar sem contar as primeira semanas da pandemia, quando havia uma escassez de testes. Nos Estados Unidos, a positividade média nos últimos 7 dias foi de 4,5%, com uma média de 1.212.844 testes por dia no período, de acordo com dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).
Além da baixa testagem, o Brasil também só consegue sequenciar o genoma de uma parcela mínima dos casos confirmados de Covid-19, o que dificulta o acompanhamento das novas variantes, como a P1, originada em Manaus no fim do ano passado e que tem causada temor pelo mundo devido à maior transmissibilidade e resistência a anticorpos de infecções anteriores.
Desde o início da pandemia o Brasil conseguiu sequenciar pouco mais 4.500 amostras, segundo a Fiocruz, em um total de mais de 11 milhões de casos confirmados da doença. O Reino Unido, que lidera o mundo em sequenciamento do vírus, sequenciou mais de 336 mil amostras, em um universo bem menor de casos totais, com 4,2 milhões.
Em todo o mês de janeiro, depois de ser identificada a variante de Manaus, foram coletadas no Brasil apenas 616 amostras para sequenciamento, segundo dados da Rede Genômica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O baixo número dificulta o monitoramento da disseminação da variante, que se tornou a prevalente no Brasil em fevereiro e pode estar ainda mais difundida pelo país.
"A vigilância é cara, precisa de mais gente fazendo, mais grupos trabalhando", disse a imunologista Ester Sabino, professora do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP), que liderou o trabalho de sequenciamento do genoma do primeiro caso de coronavírus no Brasil.
De acordo com o boletim do Ministério da Saúde, o sequenciamento genético não é um método de diagnóstico e não é realizado para a rotina da confirmação laboratorial de casos suspeitos da Covid-19, tampouco é indicado para ser feito para 100% dos casos positivos, contudo a análise do seu resultado permite quantificar e qualificar a diversidade genética viral circulante no país.
Vista como principal solução para tirar o país do fundo do poço da pandemia, a vacinação se tornou mais um caso de decepção para a população que sofre as consequências do vírus. Além de ter começado a vacinação depois de diversos países, o Brasil enfrenta uma escassez de doses que tem provocado paralisações em diversas cidades, tendo vacinado apenas cerca de 5% da população.
Uma promessa do Ministério da Saúde de distribuir doses este mês para vacinar 10% da população com duas doses não será cumprida, segundo uma revisão dos dados da própria pasta, que agora estima obter doses suficentes para vacinar 6% da população, ou 12,5 milhões de pessoas.
"Com a vacinação a ritmo de tartaruga, o que estamos fazendo no Brasil é expor a população e deixar a seleção natural agir. Não é exagero falar em genocídio", disse Naime, da Unesp.