Por Gabriel Ponte e Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - Enquanto o governo dá sinais cada vez mais claros de querer mexer na estrutura do funcionalismo para domar o peso dos salários nas contas públicas, um projeto de lei que prevê demissão dos servidores em caso de baixo desempenho avança sem alarde no Congresso Nacional.
A proposta já passou em julho na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado e aguarda requerimento de urgência para ser apreciada no plenário da Casa.
Relatora do texto, a senadora Juíza Selma (PSL-MT) diz contar com o apoio do governo do presidente Jair Bolsonaro à iniciativa, ainda que reconheça que a tramitação do projeto a partir de agora não deverá ser rápida devido à sensibilidade do tema e à prioridade dada pelo Executivo a assuntos como as reformas previdenciária e tributária e o pacto federativo.
“O projeto é visto no governo com muita simpatia, não apenas por conta de diminuição no orçamento ou enxugamento de gastos, mas pela questão da eficiência mesmo. Nós temos conversado muito polcom o ministério (da Economia) e temos tido uma receptividade muito boa desse projeto lá", disse ela.
Pela proposta relatada pela senadora, uma comissão avaliadora, integrada pela chefia imediata do servidor, um funcionário de carreira e um membro lotado na mesma unidade, será instalada anualmente para mensurar o desempenho do indivíduo.
Dois fatores fixos --produtividade e qualidade-- serão usados na avaliação, além de cinco fatores variáveis, os quais serão estabelecidos segundo função exercida. Haverá, assim, uma escala de pontuação. Os critérios fixos representarão 50% do peso da nota, enquanto os variáveis corresponderão, cada um, a 10% da avaliação.
A possibilidade de demissão estará configurada quando, em uma escala de 0 a 10, o servidor obtiver nota inferior a 3 nas últimas duas avaliações anuais realizadas ou se não alcançar média igual ou superior a 3 nos últimos cinco anos.
"Esse projeto de lei, uma vez aprovado, possibilita que o serviço público não fique abarrotado de pessoas que não produzem apenas porque elas estão acobertadas pela estabilidade", disse Selma.
"Ouvi, outro dia, uma pessoa dizer: ‘olha, a pessoa já se esforçou tanto para passar em um concurso público, agora tem que ser avaliado’. Mas é óbvio que tem que ser avaliado. A pessoa passa no concurso público porque quer e vai ser avaliado sim. Se não for eficiente, tem que ser desligado, como seria de qualquer empresa privada", completou.
O secretário especial adjunto de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Gleisson Rubin, afirmou que a equipe econômica tem acompanhado e discutido o projeto, em meio aos estudos que toca internamente mirando uma reforma administrativa mais ampla.
"Talvez, em algum momento, as discussões possam convergir para um texto único", disse Rubin, após ressaltar que o governo se debruça, entre outros temas, sobre a possibilidade de acabar com a estabilidade dos servidores e de reduzir o número de carreiras na administração pública.
"As duas coisas não são concorrentes, mas o projeto de avaliação de desempenho só dá conta de um aspecto que a reforma administrativa vai ter que trabalhar", acrescentou ele.
Atualmente, servidores concursados conquistam estabilidade na carreira após três anos desde o ingresso no funcionalismo público. Como consequência, só podem ser demitidos por decisão judicial ou processo administrativo disciplinar. A possibilidade de desligamento por baixo desempenho, prevista na Constituição Federal de 1988, ainda aguarda ser regulamentada.
Para José Márcio Camargo, professor do Departamento de Economia da PUC (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e economista-chefe da Genial Investimentos, a investida é bem-vinda em meio à situação de penúria fiscal. Para ele, somente algumas carreiras deveriam ter estabilidade garantida pelo Estado.
"O salário inicial dos servidores, claramente, é muito alto, além de a carreira ter pouco incentivo", destacou ele, sobre outros pontos que avalia serem passíveis de modificação.
O governo ainda não apresentou, oficialmente, sua reforma administrativa, embora diversos integrantes da equipe econômica, incluindo o ministro Paulo Guedes, já tenham indicado a necessidade de controlar a folha de pagamento dos servidores para readequar o tamanho do Estado.
Em relatório apresentado na semana passada, o Tesouro ressaltou a necessidade de mudança na dinâmica das despesas obrigatórias, fazendo um apelo por maior controle na contratação de pessoal e nos reajustes dos vencimentos de funcionários públicos.
Na ocasião, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, afirmou que, diante do aperto fiscal, o governo teria que segurar o salário do funcionalismo público e, ao mesmo tempo, suspender a realização de concursos públicos, para "ganhar um tempo de 2 a 3 anos para fazer reforma administrativa".
No projeto orçamentário de 2020, apresentado na sexta-feira pelo Ministério da Economia, isso já foi contemplado. Só há previsão para aumento salarial aos militares, após o governo ter cedido numa ampla reestruturação da carreira em troca da reforma no acesso a benefícios previdenciários da categoria. O projeto que muda essas regras ainda tramita em fase inicial no Congresso.
De acordo com governo, 46,1% das despesas do Executivo previstas para o ano que vem referem-se à Previdência. Logo em seguida aparecem os gastos com pessoal, com 22,8% --ou 336,6 bilhões de reais.
As despesas discricionárias, que são passíveis de corte e que englobam gastos com investimentos, respondem por apenas 6% do total, numa mostra da baixa margem de manobra do governo para priorizar e executar políticas.
(Edição de Isabel Versiani)