A redução da criminalidade na Amazônia depende do aumento da presença na região de negócios da economia formal. Essa é a avaliação do presidente do Instituto Amazônia+21, Marcelo Thomé da Silva de Almeida, 50 anos. Segundo ele, isso passa pela organização de projetos por organizações empresariais e por governos, incluindo o federal.
Almeida, empresário da construção, é presidente da Fiero (Federação das Indústrias do Estado de Rondônia) e um dos vice-presidentes da CNI (Confederação Nacional da Indústria). O instituto, com sede em São Paulo, foi implantado pela CNI e por entidades empresariais da Amazônia.
Em entrevista ao Poder360 em 11 de dezembro de 2024, o líder empresarial disse que o bem-estar da maior parte da população da Amazônia, cerca de 30 milhões de pessoas, tem piorados nos anos recentes. O crime cresce em todos os Estados da região.
No entanto, Almeida afirma que as perspectivas são positivas por causa do aumento de interesse de bancos em financiar atividades sustentáveis. Avalia também que o mercado de carbono aumentará a oferta de financiamento. E espera que a COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025) em Belém em novembro do próximo ano impulsione a visibilidade dos projetos.
Ganhos econômicos, diz o presidente do instituto, poderão eliminar o interesse pelo desmatamento. Ele afirma que em breve o reflorestamento da Amazônia poderá suplantar a perda de vegetação nativa.
A seguir, trechos da entrevista.
Poder360: Como é possível aumentar a renda das pessoas na Amazônia e o ganho das empresas?
Marcelo Thomé da Silva de Almeida: “É grande o enfrentamento que precisa ser feito na Amazônia para superar o alto grau de informalidade, originando negócios estruturados, pequenos ou grandes, que promovam a inclusão econômica numa lógica sustentável. [É preciso] incrementar a renda e gerar dignidade e prosperidade para a população amazônica, 30 milhões de brasileiros que hoje são obrigados a viver com o menor IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] do país.
Quais as atividades econômicas que podem se desenvolver mais na região?
“Pelo Instituto Amazônia+21, a gente identificou setores tradicionais [com] futuro: uma pecuária sustentável e responsável, agricultura familiar e extensiva. E novos setores ligados à economia verde, de baixo carbono, uma bioeconomia mais ampla, que conecte as possibilidades de desenvolvimento de negócios a partir do bioma amazônico com atividades industriais: cosméticos, fármacos, tecidos e tantos outros identificados como escaláveis. [Isso vale] igualmente para o setor florestal. Há uma pressão muito forte por recuperação de floresta. A agenda de restauro florestal é central, também de resgate de umidade na região amazônica. E demanda muita mão de obra. Há muito investimento disponível. A ciência brasileira já tem razoável domínio das diferentes técnicas necessárias para replantio de floresta amazônica. [Há] apetite do setor financeiro para incrementá-lo.
É preciso dinheiro público também para isso?
“Sem dúvida [é necessária] a definição de políticas públicas adequadas que olhem a Amazônia como destino de investimentos para projetos estruturais. E aqui eu incluo a infraestrutura. [Há] uma discussão que tem infringido um atraso secular: se pode ou não pode ter infraestrutura na Amazônia. A discussão é ‘como fazer’ e não se pode ou não fazer. O papel do Estado é fundamental para impulsionar caminhos regulares, formais, lícitos, atraindo investidores privados, organizando o ambiente regulatório para que o ambiente de negócios seja favorável ao setor privado.
É possível reduzir a zero o desmatamento na Amazônia?
“Essa é uma pergunta complicada. [Há] o desmatamento ilegal [e] o desmatamento legal, permitido. A supressão vegetal que o Código Florestal autoriza na região amazônica, na ordem de 20% do total de terra que [a pessoa] tem. Demonstrando que a floresta em pé vale mais, e conseguindo entregar de fato isso para o dono da floresta, eu acho que a gente substitui a lógica da supressão vegetal para a transformação em pasto ou agricultura de baixa qualidade, ou mesmo para vender [a madeira] a qualquer preço. Isso [pode ser]consorciado com a política pública e a mobilização do setor privado, trazendo recursos financeiros e a inovação. A gente se aproxima de um momento em que o desmatamento na Amazônia deixará de ser interessante do ponto de vista econômico.
“O que é ilegal precisa ser combatido. O Estado brasileiro não tem sido suficiente para refrear, para reprimir o desmatamento ilegal na região. Isso é um problema crônico e que afeta a imagem do Brasil no ambiente externo. Como resolver isso? [Com] política pública, substituição da atividade lícita pela atividade lícita, por empreendimentos estruturados enfrentando o alto grau de informalidade e reconhecimento de que a Amazônia pode ter bons negócios, que não é um santuário.
“A agenda ambientalista ou a agenda tradicional de Amazônia tem buscado fortalecer a conservação da floresta pelo isolamento. Isso tem criado o espaço propício ao avanço do ilícito, ao avanço de atividades irregulares. A gente precisa substituir essa agenda ultrapassada, que foi fundamental para nos ensinar o que pode e o que não pode ser feito. A gente precisa evoluir para um outro modelo de desenvolvimento econômico que seja sustentável e inclusivo. Isso vai ajudar a promover a inclusão da população amazônica de forma regular em bons empregos, gerando renda, dignidade, prosperidade à população. Incluo-me nessa população. Vivo em Rondônia há mais de 25 anos. A conservação da floresta se dará pela destinação econômica e não mais por enxergar a floresta como santuário.
Qual é a perspectiva de ter áreas reflorestadas, voltando à situação próxima da original?
“Em Rondônia, um estudo da Fiero identificou que 70% das áreas abertas no passado e que, do ponto de vista fundiário, são regulares hoje, estão subutilizadas ou degradadas. O incremento de produção agrícola e pecuária pode ser feito em cima dessas áreas regulares que hoje estão absolutamente subutilizadas. Rondônia tem experimentado esse movimento: adicionar soluções em que a ciência já demonstrou que o ganho de produtividade, seja no setor pecuário ou agrícola, tem uma razoável alavancagem [ao] consorciar essas atividades.
“A integração lavoura-pecuária-floresta é uma ótima solução para uma agenda nova, tanto da pecuária quanto da produção agrícola no Estado, recuperando áreas que hoje estão subutilizadas, sem demandar o avanço de um milímetro sobre a floresta natural. A agenda de restauro florestal tem financiamento, em especial pela definitiva aprovação em nível global do mercado de carbono e pelo Congresso Nacional do Mercado Nacional de Carbono. O mercado regulado de carbono depende apenas de uma regulamentação. O Brasil tem potencial enorme de ser um grande player global, em especial a região amazônica.
A criminalidade é um problema crescente na Amazônia. Como resolver isso?
“Eu, como empresário, enxergo a atividade econômica lícita como um caminho adequado para que o espaço do crime seja cada vez menor. Isso é um papel do Estado e uma agenda de comando e controle. Ela precisa ter mais contundência e compreensão dos desafios. Hoje, há um grande problema permeando toda a região amazônica, ligada a atividades criminosas.
Como o mercado de carbono vai poder contribuir para a preservação e para o desenvolvimento econômico da Amazônia?
“Já tem alguns bons exemplos da Amazônia, em especial a partir das usinas hidrelétricas do rio Madeira. Geram energia limpa para o Brasil e estão comercializando seus créditos de carbono. A Amazônia tem várias possibilidades de originar bons créditos de carbono, sejam de base florestal ou de outras possibilidades.
O que é possível aprimorar nessa área?
“Acho que o maior desafio não é na questão regulatória, porque isso está posto, tanto do ponto de vista das certificadoras das empresas, de originação de projetos. O que a gente precisa é melhorar a percepção da qualidade de crédito do Brasil. É comprado muito barato no Brasil, é vendido caro lá fora. [É preciso] ter um mercado que seja mais justo. Ainda existe uma lógica de certa forma colonialista em relação ao carbono emitido no Brasil. Os melhores projetos no Brasil remuneram US$ 20 a tonelada, enquanto na Europa a tonelada pode ser vendida a US$ 100.
Como reduzir essa diferença?
“[Por meio do] caminho da imagem, reputação, credibilidade. [É preciso] garantir que os projetos no Brasil são íntegros, cumprem as regras, não são desenvolvidos em cima de terras irregulares. O Brasil precisa avançar para que, do ponto de vista reputacional, o crédito carbono seja percebido com a mesma qualidade que o crédito carbono europeu ou de outras regiões.
Qual a sua avaliação sobre a demarcação de novas terras indígenas?
“No Instituto Amazônia+21, alguns anos atrás, eu recebi uma ligação de uma liderança indígena de Rondônia convidando a conhecer seu território, pedindo ajuda para elaboração de um plano de desenvolvimento econômico. E a frase que marcou é a seguinte: ‘Eu não quero mais a tutela da Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas]. Eu quero poder gerar renda, desenvolver do ponto de vista econômico, ao meu território, para garantir o atendimento às necessidades do meu povo’. Demarcar terra para que e para quem? Com qual sentido? Sem que isso esteja devidamente respondido, a gente pode estar criando mais áreas vulneráveis à expansão do crime na região amazônica.
Em quanto tempo será possível ter a Amazônia numa situação diferente da atual?
“Difícil essa pergunta. Mas eu diria que a gente tem hoje uma convergência muito poderosa de forças favoráveis a uma agenda correta para a Amazônia. Tem um governo federal que demonstra absoluto compromisso com a agenda para uma economia de baixo carbono, para a Amazônia, reconhecendo que a centralidade dos processos e dos projetos e das ações deve ser as pessoas, os 30 milhões de brasileiros que estão na região.
“Há um reposicionamento do setor financeiro brasileiro, compreendendo que precisa empreender esforços para originar bons projetos estruturantes na região amazônica. E a compreensão de que o setor privado tem um papel a cumprir nessa agenda. Por isso, propusemos o Instituto Amazônia+21. Possivelmente, em pouco tempo a gente consiga pelo menos inverter a lógica de destruição e de piora na qualidade de vida das pessoas. Eu tenho voltado a algumas comunidades que conheci há muitos anos e a vida das pessoas está pior. Isso é inaceitável. É urgente que nós consigamos inverter essa curva descendente de desenvolvimento humano na Amazônia para uma agenda de desenvolvimento econômico sustentável e inclusivo, que promova o bem-estar das pessoas que estão lá.
Qual a sua expectativa em relação à COP 30, que será em 2025, em Belém?
“A COP 30 tem que acontecer em Belém. Eu tenho me posicionado a favor disso. Já há uma grande mobilização brasileira para que a COP seja um grande sucesso. [Precisamos] estruturar um portifólio de projetos, seja do setor industrial, seja de turismo sustentável, desenvolvimento das cidades, bioeconomia, carbono, restauro florestal. A gente não pode perder a oportunidade de capturar a atenção e o compromisso do visitante que virá ao Brasil, que virá à Amazônia, e demonstrar a ele que o Brasil está pronto para receber investimentos em larga escala para alavancagem de uma nova economia.
Há dúvidas em relação à acomodação das pessoas. Qual sua avaliação sobre isso?
“Eu tenho certeza de que vai dar tudo certo. O governo do Estado está fazendo um esforço enorme por meio do governador Helder Barbalho [MDB] para preparar a cidade de Belém. O setor privado de Belém igualmente está se preparando para atender os visitantes. Com o nosso jeito brasileiro de resolver as questões, [será possível] receber o visitante em alto nível.”