Por Marcela Ayres e Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - A equipe econômica projeta que a medida provisória para renegociação de dívidas junto à União implicará ingresso líquido de 5,5 bilhões de reais para o governo federal em 2020, integrando pacote de MPs concebidas para recomposição orçamentária do próximo ano.
Em entrevista à imprensa, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, afirmou que o cálculo parte de premissas conservadoras e cuidadosas. O impacto positivo para as receitas primárias é estimado em cerca de 5 bilhões de reais para 2021 e 4,4 bilhões de reais para 2022.
Apesar da MP prever a concessão de significativos descontos e parcelamento no pagamento das dívidas, membros do time econômico refutaram que se trata de um novo Refis (programa de parcelamento especial).
O argumento é que, diferentemente de iniciativas adotadas por governos passados, haverá uma abordagem qualitativa em relação ao estoque, sendo que apenas as dívidas classificadas como C e D -- de difícil recuperação -- serão elegíveis para renegociação.
"Refis é simplesmente um parcelamento. Aqui não, aqui existirão critérios diferenciados para situações muito diferentes umas das outras", afirmou o procurador-geral da Fazenda Nacional, José Levi.
"Fazer a limpa é sobretudo para o (contribuinte) C e D. Não adianta a gente ficar com uma dívida de 1,5 trilhão se a gente não consegue realizá-la", acrescentou.
Ele lembrou que tipicamente compõem esses grupos empresas falidas, que não existem mais, muitas das quais sem patrimônio ou com patrimônio degradado, e com dívidas muito antigas.
Levi destacou que um corte temporal poderá ser adotado nos editais do governo para restringir o grupo de devedores que estarão aptos à renegociação. A partir da regularização, empresas e pessoas jurídicas limparão seus nomes para, por exemplo, contratar com o setor público.
A MP regulamenta a celebração de acordos entre a Receita e contribuintes para renegociação de dívidas, buscando reduzir litígios e facilitar o recebimento de créditos considerados de difícil recuperação através da regulamentação de artigo do Código Tributário Nacional.
No caso de cobranças de dívida ativa, a negociação contemplará apenas dívidas C e D e poderá conceder descontos de até 50% no total da dívida, chegando a 70% no caso de pessoas físicas, micro ou pequenas empresas.
A redução poderá ser feita sobre juros, multas e encargos, mas não irá abranger multas criminais nem decorrentes de fraudes fiscais.
Dados do Ministério da Economia apontam que as transações tributárias poderão auxiliar na regularização da situação de 1,9 milhão de devedores, com débitos junto à União que chegam a 1,4 trilhão de reais.
Em relação a contenciosos tributários, poderão ser concedidos descontos e prazos para pagamento em até 84 meses. Os benefícios serão dirigidos a devedores com dívidas ainda em fase de discussão do contencioso, seja na fase administrativa ou na judicial, com "concessões recíprocas entre as partes".
Nesses casos, o ministério calcula que as transações poderão encerrar centenas de milhares de processos que perfazem universo de 600 bilhões de reais no Conselho de Recursos Fiscais (Carf) e 40 bilhões de reais garantidos por seguro e caução.
A partir da MP, a concessão de benefícios fiscais será feita apenas em caso de “comprovada necessidade” e depois de avaliação individual.
EFEITO NO ORÇAMENTO
O secretário especial de Fazenda destacou que a iniciativa, batizada de MP do Contribuinte Legal, será uma das medidas que constará na mensagem modificativa à Lei Orçamentária (PLOA) de 2020 que o presidente Jair Bolsonaro enviará ao Congresso.
No PLOA originalmente encaminhado, o nível de despesas discricionárias foi calculado em 89 bilhões de reais para o ano que vem, patamar considerado baixo para garantir o funcionamento da máquina pública e que "precisa ser recomposto", ressaltou Waldery.
Em 2020, o crescimento dos gastos está, como previsto hoje, estrangulado pela regra do teto de gastos. A MP da renegociação de dívidas garante receitas adicionais, mas para que esse acréscimo transforme-se em elevação de despesas, o governo precisará diminuir gastos obrigatórios, abrindo espaço no teto.
Para atuar por esse lado, o time econômico já afirmou que irá propor o fim da multa de 10% sobre o FGTS paga pelo empregador ao governo em caso de demissão sem justa causa, medida que teria o potencial de abrir brecha de 6,1 bilhões de reais no teto.
Segundo Waldery, já há MP pronta sobre o assunto, mas o governo aguarda para ver se o tema será tratado no relatório da MP sobre a liberação de saques do FGTS.