Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - A existência de um plano para retomada da economia sob a batuta da Casa Civil estruturado em torno do aumento de investimentos públicos expõe as divisões internas no governo Jair Bolsonaro sobre a melhor estratégia para o país se reerguer da crise, num momento em que o Ministério da Economia segue apostando em reformas para atração de investidores privados.
Nesta quarta-feira, o secretário especial de Desestatização, Desenvolvimento e Mercados, Salim Mattar, reconheceu que a rota traçada pelo time do ministro Paulo Guedes vai para outra direção.
"O Plano Marshall gestado pela Casa Civil é um pouco diferente dos planos do Ministério da Economia", disse. "O Plano Marshall dependeu do dinheiro americano, e nós não temos dinheiro sobrando mais, as finanças nossas foram absolutamente esgotadas".
No Plano Marshall original, os Estados Unidos financiaram a reconstrução de países aliados na Europa após a Segunda Guerra Mundial.
Salim avaliou que o Plano Marshall brasileiro --denominado de Pró-Brasil, segundo a Casa Civil-- ainda é muito embrionário e afirmou que a intenção do Ministério da Economia é diferente, voltada à busca de investimentos privados.
Questionado se o fato de existirem planos distintos sob um mesmo governo não denotava falta de consenso, emitindo sinal trocado para investidores, Salim afirmou que isso faz parte da democracia.
"Nós estamos numa democracia espetacular, isso não é falta de coordenação, isso é democracia, nós tempos tempo para tomar decisão, então surgem ideias", afirmou.
O ministro chefe da Casa Civil, Braga Netto, disse nesta quarta-feira que o Pró-Brasil tem como meta o crescimento socioeconômico e que todos os ministérios estão envolvidos na discussão do plano.
"A economia faz parte como um todo, não é o foco do programa", disse a jornalistas.
TETO DE GASTOS
A conciliação de investimentos públicos almejados pelo governo com a regra do teto de gastos está em estudo no plano da Casa Civil, que quer impulsionar a realização de obras no país passada a fase mais aguda com a pandemia.
"(Isso) será definido ao longo do tempo", informou uma fonte com conhecimento direto do assunto nesta quarta-feira.
Em condição de anonimato a fonte pontuou que as obras de infraestrutura prioritárias estão sendo estudadas dentro de um plano de ação que ainda está em formatação.
Mais cedo nesta quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro se reuniu com o alto escalão da Esplanada dos Ministérios, na companhia do vice-presidente Hamilton Mourão, e com os presidentes do Banco Central e de bancos públicos.
Boa parte dos integrantes do encontro faz parte do Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19, que foi criado em meados de março e é coordenado pelo ministro da Casa Civil, general Braga Netto.
Na semana passada, inclusive, Braga Netto assinou uma resolução criando um grupo de trabalho para colocar de pé "ações estruturantes e estratégicas para recuperação, crescimento e desenvolvimento do país", no âmbito do comitê.
Entre as tarefas do grupo, está a definição de medidas na área de infraestrutura com obras públicas de responsabilidade da União e parcerias com o setor privado.
Na segunda-feira o ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, já havia pontuado, ao ser questionado sobre de onde o governo tiraria recursos para manter obras de infraestrutura em andamento, que "não há outro caminho que não seja trazer recursos para o Orçamento e isso tem que ser feito via endividamento".
Embora o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenha participado da reunião nesta manhã, as discussões estão sendo lideradas por Braga Netto.
A equipe econômica é refratária à mensagem de uso de recursos públicos para alavancar a economia e tem defendido que isso deve ocorrer através da atração de investimentos privados a partir da realização de reformas.