O setor de infraestrutura de transportes está entre aqueles que mais geraram arrecadações para os cofres públicos, por meio de leilões de concessão de aeroportos, ferrovias, portos e estradas realizados nas últimas décadas. Parte esmagadora desses recursos, porém, está longe de ser aplicada no próprio setor, cada vez mais estrangulado por falta de dinheiro que financie sua manutenção e ampliação.
Em vez de direcionar parte dessas arrecadações para a malha logística nacional, o governo usa o dinheiro para pagar aposentadorias, dívida pública federal, financiar órgãos de defesa nacional e saúde. No fim das contas, o que sobra é um valor irrisório para o transporte, se comparado a tudo que ele arrecadou.
O Estadão teve acesso a um estudo realizado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), que avaliou as arrecadações das últimas duas décadas no segmento e verificou onde os recursos foram empregados. O levantamento "Infraestrutura de Transporte - Investimento e Financiamento de Longo Prazo" foi feito a partir de dados oficiais colhidos no sistema Siga Brasil, referente ao Orçamento federal, e em órgãos como a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a Associação de Terminais Portuários Privados (ATP) e a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), além de bases de dados do Banco Mundial.
Entre janeiro de 2001 e junho de 2021, considerando o valor total de contas pagas pelo governo com recursos obtidos com concessões e permissões de uso na área de transporte, chega-se a um desembolso total de R$ 233,57 bilhões, em preços corrigidos pela inflação. Desse total, apenas 1,8% (R$ 4,10 bilhões) foi destinado para o setor de transporte.
Ao seguir a trilha dos recursos das concessões das duas últimas décadas, o levantamento revela que a maior parte dessa fortuna - 69,5%, o equivalente a mais de R$ 162 bilhões - foi sacada para pagar dívidas públicas do governo federal e demais encargos, como indenizações e restituições. A segunda atividade que mais sugou recursos foi a Previdência Social. Foram R$ 29,6 bilhões (12,7%) para quitar contas de aposentadorias, mais de sete vezes o repasse destinado aos transportes.
A saúde ficou com uma fatia de 5,6% do bolo. Para a educação, foram outros 2,4%. O setor de energia ficou com 1,8%. De forma geral, os gastos com infraestrutura logística só superam aqueles destinados às áreas de comércio e serviços associados, que retiveram 1,5% do total.
Vander Costa, presidente da CNT, critica o forte desequilíbrio na destinação dos recursos, já que grande parte está voltada ao pagamento de contas e dívidas, em vez de serem aplicadas em ações efetivas que melhorem a infraestrutura, dentro ou fora do setor logístico.
Em 2021, até o momento, praticamente toda a despesa dos valores oriundos de concessões e permissões foi alocada para pagamento da dívida. "Descompassos de investimento prejudicam empresas e o crescimento do País. Garantir múltiplas formas de financiamento é essencial", diz Costa. "A infraestrutura de transporte é a base para o funcionamento da economia. Dessa forma, quanto mais ela for desenvolvida, maior será a interação entre pessoas e mercados e, consequentemente, melhor será o desempenho socioeconômico."
Questionado sobre o assunto, o Ministério da Infraestrutura afirmou que o objetivo do programa de concessões não é a outorga em si, mas prover investimentos que tragam melhorias aos ativos, algo impossível hoje apenas com recursos públicos. "O governo federal, através do Ministério da Infraestrutura, já garantiu cerca de R$ 74 bilhões para o incremento da logística nacional com as concessões de 34 aeroportos, cinco rodovias, seis ferrovias - entre concessões, renovações e investimento cruzado -, 29 arrendamentos portuários, além de autorizações para 99 terminais de uso privado."
Segundo o ministério, R$ 9,62 bilhões estão garantidos em aeroportos, R$ 12,95 bilhões em portos, R$ 28,82 bilhões em ferrovias e R$ 22,5 bilhões em rodovias. "O MInfra trabalha com a projeção de R$ 260 bilhões em investimentos assinados até o fim de 2022. Esses valores serão aplicados durante a duração dos contratos, que variam de 10 a 35 anos."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.