O presidente da França, Emmanuel Macron, disse que é “impossível” chegar a um acordo de livre comércio entre a UE (União Europeia) e o Mercosul (Mercado Comum do Sul). Ele pediu à Comissão Europeia responsável pelas negociações que interrompa os trabalhos. As informações são da Reuters.
“[Macron] reiterou muito firmemente à comissão o fato de ser impossível concluir conversações nestas condições”, disse nesta 2ª feira (29.jan.2024) um conselheiro presidencial do presidente da França a jornalistas.
O posicionamento se dá em meio a uma série de manifestações de produtores agrícolas que protestam contra aumentos no preço de produção do setor e contra a concorrência de produtos importados de fora da União Europeia.
Além de reclamar da entrada de produtos mais baratos vindos da Ucrânia, a categoria pede o fim do acordo comercial com os países do Mercosul. Segundo o setor, a medida abriria ainda mais espaço para uma competição desleal com produtos franceses.
Os manifestantes chegaram à 3ª semana de protestos nesta 2ª feira (29.jan) com a organização de “um cerco a Paris”.
Além da França, Bruxelas e Alemanha também enfrentam protestos sucessivos de grupos de agricultores contra medidas que, segundo o setor, enfraquecem o desenvolvimento da área nos respectivos países.
FRANÇA TENTA BARRAR ACORDO
O posicionamento já havia sido anunciado pelo primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, na 6ª feira (26.jan). Attal adiantou que o país continuaria a se opor ao movimento de aproximação econômica com os países sul-americanos.
Na última semana, representantes das duas partes do acordo se encontraram em Brasília, mas não apresentaram avanços no debate.
Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diz que não desistirá da parceria “até receber um ‘não'”, Macron tem enfatizado, em diferentes ocasiões, que a proposta em curso não contempla os interesses da França. Na COP28 (28ª Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), disse que o acordo é “contraditório” com o que o petista se propõe a fazer no Brasil.
O posicionamento de Macron, no entanto, tem potencial para encerrar as negociações entre os 2 blocos econômicos. Isso porque, para ser aprovado, o acordo precisa da aprovação dos 27 países integrantes do grupo europeu. A decisão faria cair por terra a intenção de Lula de reviver o acordo, defendido desde a campanha eleitoral do petista em 2022.
Além disso, serão realizadas eleições do Parlamento Europeu de 6 a 9 de junho de 2024. Ou seja, nada do acordo Mercosul-UE deve sair ainda neste ano, como quer Lula.
MACRON x LULA
Lula e Macron já enfrentaram diferentes embates ao longo do processo de formulação do acordo entre os blocos econômicos.
Em julho de 2023, o presidente francês chegou a dizer que não percebia “ameaças” ao Brasil em proposta feita aos países do Mercosul. Na época, Lula criticou as “ameaças de punição” previstas em carta enviada pela União Europeia ao país. O grupo pede a implementação de parâmetros ambientais específicos para a circulação de produtos agrícolas sul-americanos em território europeu.
“A União Europeia não pode tentar ameaçar o Mercosul de punir se o Mercosul não cumprir isso ou aquilo. Se nós somos parceiros estratégicos, você não tem que fazer ameaças, você precisa ajudar”, afirmou Lula durante live semanal em 19 de junho.
Já em dezembro de 2023, durante a COP28, Macron anunciou que iria se opor à conclusão do acordo Mercosul-União Europeia. Declarou que a parceria não levaria em conta “a biodiversidade do clima”.
“Não posso pedir aos nossos agricultores, aos nossos industriais na França, e em toda a Europa, que façam esforços para descarbonizar, para sair de certos produtos, e depois dizer que estou removendo todas as tarifas para trazer produtos que não aplicam essas regras”, disse durante a conferência de clima.
Em resposta, Lula disse que era um “direito” do presidente expressar sua posição contrária. “A França sempre foi o país mais duro para fazer acordo porque a França é mais protecionista”, declarou a jornalistas no evento.
FRASES DE LULA
O presidente foi muito otimista ao longo de 2023 a respeito do acordo da UE com o Mercosul. Todas as suas previsões se provaram erradas. Lula confundiu uma certa simpatia de governos europeus pela sua vitória contra Jair Bolsonaro (PL) em 2022 com apoio para fazer o acerto sobre livre-comércio.
Eis algumas declarações de Lula sobre o agora fracassado acordo com a União Europeia:
- 29.ago.2022 – “Se a gente voltar a governar esse país, nossa relação com a União Europeia será muito forte. O trabalho para que a gente possa fazer e concretizar o acordo Mercosul-União Europeia, América do Sul e União Europeia, vai ser trabalhado com muita força por nós”;
- 21.set.2022 – “Se ganhar a eleição, eu vou tomar posse e nos primeiros 6 meses nós vamos concluir o acordo com a União Europeia. Um acordo que leve em consideração a necessidade de o Brasil voltar a se industrializar”;
- 25.jan.2023 – “É urgente e necessário que o Mercosul faça o acordo com a União Europeia. […] Nós vamos intensificar as discussões com a União Europeia e firmar esse acordo para que a gente possa discutir apenas um possível acordo entre China e Mercosul. E eu acho que é possível”;
- 30.jan.2023 – “Eu quero dizer ao chanceler Olaf Scholz que nós vamos fechar esse acordo, se tudo der certo, quem sabe até o meio deste ano”;
- 25.mai.2023 – “Tratem de ficar atentos. Estamos próximos de começar a conversar com a União Europeia sobre o acordo com o Mercosul. E é importante vocês saberem que uma das coisas mais importantes que eles querem de nós é que a gente ceda às compras governamentais. Mas não vamos ceder porque a gente vai matar a possibilidade do crescimento da pequena e média empresa brasileira”;
- 3.jun.2023 – “Os que os europeus querem no acordo? Que o Brasil abra as portas para compras governamentais. Ou seja, eles querem que o governo brasileiro compre as coisas estrangeiras ao invés das coisas brasileiras. […] E se eles não aceitarem a posição do Brasil, não tem acordo. Nós não podemos abdicar das compras governamentais que são a oportunidade das pequenas e médias empresas sobreviverem nesse país. […] As compras governamentais são instrumentos de política industrial que não vamos abrir mão. Vamos demorar um pouco mais para fechar o acordo, tudo bem. Mas, da mesma forma que a França defende de forma fervorosa os seus produtos agrícolas, o seu vinho, vamos defender nossa pequena indústria nessa negociação”;
- 12.jun.2023 – “Expus à presidente Von der Leyen as preocupações do Brasil com o instrumento adicional ao acordo, apresentado pela União Europeia em março deste ano, que amplia as obrigações do Brasil e as torna objeto de sanções em caso de descumprimento. A premissa que deve existir entre parceiros estratégicos é a de confiança mútua e não a de desconfiança e sanções”;
- 15.jun.2023 – “O parlamento francês disse que não vai votar o acordo Mercosul-União Europeia por causa da quantidade de veneno utilizado nos produtos agrícolas brasileiros. Então é importante a gente levar em conta que ser racional, cuidar da agricultura de boa qualidade é uma necessidade competitiva do Brasil para a China e para a França, para os Estados Unidos e para a Alemanha. […] Eu tenho noção do que fizemos, tenho noção que o problema deles conosco é ideológico. Não é de dinheiro. Vamos fazer um bom plano Safra, porque queremos que a agricultura brasileira continue produzindo, plantando cada vez mais, para a gente continuar exportando”;
- 19.jun.2023 – “A União Europeia não pode tentar ameaçar o Mercosul de punir se o Mercosul não cumprir isso ou aquilo. Se nós somos parceiros estratégicos, você não tem que fazer ameaças, você precisa ajudar”;
- 22.jun.2023 – “Essa proposta de acordo não está em conformidade com o que eu sonho para países da América Latina que querem ter o direito de recuperar sua capacidade de industrialização. […] A carta adicional que a União Europeia mandou para o Mercosul é inaceitável porque coloca punição a qualquer país que não cumprir o Acordo de Paris, mas nem eles cumpriram. […] Não é correto estar discutindo o acordo e alguém achar correto colocar punições ao parceiro do acordo. Um acordo pressupõe uma via de duas mãos”, disse Lula. “Eu sei que os franceses são duros na defesa da sua agricultura. É normal que eles sejam assim, mas também é normal que a gente não aceite. E assim cria-se a oportunidade de discutirmos”;
- 23.jun.2023 – “Eu estou doido para fazer um acordo com a União Europeia. Mas não é possível, porque a carta adicional que foi feita pela União Europeia não permite que se faça um acordo. Nós vamos mandar a resposta, mas é preciso que a gente comece a discutir. Não é possível que nós tenhamos uma parceria estratégica e haja uma carta adicional fazendo ameaças a um parceiro estratégico”;
- 24.jun.2023 – “Não é o protecionismo que vai ajudar. Dos anos 1980 para cá, tudo o que as pessoas falavam era: quanto mais abertura, melhor. Quanto mais livre comércio, melhor. Agora, quando chega a vez de os países em desenvolvimento competirem em igualdade de condições, os mais ricos viram protecionistas. Então não tem nenhum sentido. […] Macron tem dificuldade no Congresso. E se a gente puder conversar com os nossos amigos mais à esquerda para que seja aprovado o acordo do Mercosul, nós vamos fazer. […] Nós precisamos fazer o acordo com a União Europeia. E a União Europeia precisa fazer o acordo com o Mercosul, com a América do Sul e com a América Latina. A União Europeia não pode ficar sendo a fatia de mortadela entre a nova guerra fria entre EUA e China. É importante lembrar que nós precisamos da União Europeia e a União Europeia precisa muito de nós”;
- 4.jul.2023 – “Nós não aceitamos a carta. Estamos agora preparando outra resposta, porque vamos a Bruxelas discutir com a UE e os países da América Latina e precisamos ter uma resposta do que nós queremos para consolidar o acordo. Nós queremos fazer uma política de ganha-ganha. A gente não quer fazer uma política em que eles ganhem e a gente perca”;
- 4.jul.2023 – “Estou comprometido com a conclusão do Acordo com a União Europeia, que deve ser equilibrado e assegurar o espaço necessário para adoção de políticas públicas em prol da integração produtiva e da reindustrialização”;
- 17.jul.2023 – “A União Europeia é o 2º maior parceiro comercial do Brasil. Nossa corrente de comércio poderá ultrapassar este ano a marca de US$ 100 bilhões. Um acordo entre Mercosul e União Europeia equilibrado, que pretendemos concluir ainda este ano, abrirá novos horizontes”;
- 11.set.2023 – “E temos que chegar nos próximos meses a um acordo de sim ou não. Ou faz ou pára de discutir. Já faz 22 anos”;
- 27.out.2023 – “Se nós 2 [Lula e Pedro Sánchez], que somos amigos, não fizermos um esforço muito grande para fazer esse acordo, acho que não sairá. Eu quero tirar do papel esse acordo”;
- 21.nov.2023 – “Ontem liguei para a Úrsula von der Leyen, que é a presidente da comissão europeia, para dizer para ela que eu estou querendo negociar o Mercosul ainda na minha presidência e gostaria que a gente conseguisse fazer o acordo…e ela ficou de tentar, quem sabe, lá na COP28 fazer uma reunião comigo e apresentar a resposta definitiva deles sobre as nossas demandas. […] Passei para ela os pontos mais nervosos, ela ficou de me dar uma resposta. Eu coloquei o Mauro Vieira (Relações Exteriores) para conversar com o chefe de gabinete dela para ver quais são os pontos mais problemáticos”;
- 3.dez.2023 – “Se não tiver acordo, paciência. Não foi por falta de vontade. […] Não digam mais que é por conta do Brasil e não digam mais que é por conta da América do Sul”;
- 4.dez.2023 – “Eu só posso dizer para você que não vai ter assinatura na hora que terminar a reunião do Mercosul e que eu tiver o ‘não’. Enquanto eu puder acreditar que é possível fazer esse acordo, vou lutar para fazer. […] E eu não vou desistir, enquanto eu não conversar com todos os presidentes e ouvir o não de todos. Aí nós vamos partir para outra”.