Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, reconheceu nesta quarta-feira a pressão por flexibilização da regra do teto de gastos, mas alertou que eventual permissão para mais gastos implicaria alongamento da sequência de déficits primários, o que pode ser perigoso se o cenário de juros mudar.
Por isso, fez um apelo por maior controle dos gastos obrigatórios, que têm roubado espaço das despesas discricionárias em meio às limitações impostas pelo teto.
"Pela primeira vez eu estou escutando com insistência de amigos meus muito próximos sugestão de mudança da PEC do teto de gastos. Alguns amigos meus falam que é muito dura, está inviabilizando setor público e que tem que tornar PEC mais flexível", disse ele, a respeito da regra que limita o crescimento dos gastos públicos à inflação do ano anterior.
Mansueto avaliou que uma flexibilização do teto que não fosse acompanhada de aumento da carga tributária --algo refutado pela sociedade-- alongaria, na prática, a sequência de déficits primários já vivida pelo país.
O governo não tem conseguido economizar para pagar juros da dívida pública desde 2014 e prevê que seguirá no vermelho até 2022, completando 9 anos seguidos com rombos primários.
"O problema é que eu não sei até quando a gente vai ter a bonança que a gente está tendo este ano de juros muito baixos", disse Mansueto em seminário promovido pelo Ministério da Economia.
Hoje a Selic está em sua mínima histórica de 6% ao ano e a perspectiva é que seja reduzida pelo Banco Central à frente, em meio a um cenário de debilidade econômica e inflação sob controle.
Segundo Mansueto, o Brasil deve pagar em juros da dívida o equivalente ao que arcou quando a dívida bruta batia em 51% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo que hoje esse patamar é quase 30 pontos percentuais mais alto. Em junho, a dívida bruta chegou a 78,7% do PIB, segundo dados mais recentes do BC.
"A gente vai pagar contas de juros que é semelhante ao que era quando a dívida pública era muito menor, mas isso pode se reverter", destacou.
"A realidade dos fatos é que a gente tem um país que tributa muito, gasta muito, não tem capacidade de investimento e ainda tem ajuste fiscal a ser feito. A gente precisa ter isso em mente", completou.
A jornalistas, ele reconheceu que as despesas discricionárias, que são passíveis de corte e que incluem os investimentos feitos pela União, têm sido comprimidas a "um nível mínimo", dentro do dinâmica do teto de gastos, pelo crescimento das despesas obrigatórias, que incluem salários e aposentadorias.
"O debate deve ser o seguinte: quais outras coisas se pode fazer para controlar ainda mais o crescimento da despesa obrigatória", disse.
Mansueto lembrou que, num quadro em que quase 60% da despesa do governo federal é indexada, há aumento do gasto público federal de 30 a 35 bilhões de reais por ano "só por causa da inflação", sugerindo que essa poderia ser uma frente de mudança.
Também presente no evento, o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), Felipe Salto, avaliou que flexibilizar o teto seria "abrir a porta do inferno", representando um abandono daquilo que é, para ele, a única âncora fiscal do país.
"Até que o teto seja descumprido é preciso aguentar a execução desse teto", afirmou ele, ressaltando que a estimativa do IFI é de descumprimento da regra em 2022.