A nova política industrial do país, lançada na 2ª feira (22.jan.2024) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem previsão de R$ 300 bilhões em financiamentos para o setor até 2026, ou US$ 60,2 bilhões. Esse valor equivale a mais do que o dobro do orçamento anual da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, que é de US$ 27,2 bilhões em 2024.
A proposta, chamada de “Nova Indústria Brasil”, tem como mote a volta do Estado como principal indutor do desenvolvimento nacional. Inclui incentivos fiscais e financiamento por empresas estatais. Do total financiado, R$ 250 bilhões virão do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o restante da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e da Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial).
O valor total supera em 17 vezes o orçamento da ONU (Organização das Nações Unidas) em 2024, que é de US$ 3,6 bilhões. Também é maior que o capital utilizável do Banco Mundial em 2023 para aportes em novos projetos (US$ 53,1 bilhões). Ainda bancaria 56% de todo o investimento necessário para universalizar o saneamento no país, o que demandaria US$ 107,9 bilhões segundo a Fundação Dom Cabral.
O pacote fica próximo do orçamento anual do Governo de São Paulo, que é de US$ 65,9 bilhões em 2024 –o Estado seria a 36ª economia do mundo caso fosse um país. É maior também que incentivos que o governo dos EUA têm dado para a produção de chips e semicondutores (US$ 52 bilhões).
Com os US$ 60,2 bilhões do plano, daria para comprar todos os times de Premier Ligue, considerando o valor de mercado dos 20 clubes da liga de futebol da Inglaterra, que somado chega a US$ 12 bilhões. Também bancaria as despesas de Israel na guerra contra o Hamas, que estão orçadas em US$ 14 bilhões em 2024.
O montante também supera o valor de mercado de gigantes globais. É o caso da brasileira Vale (BVMF:VALE3), que vale US$ 60,1 bilhões, da norte-americana Dell (US$ 58,3 bilhões) e da japonesa Honda (TYO:7267) (US$ 52,1 bilhões). Fica perto também da precificação do banco Itaú (US$ 60,5 bilhões).
Comparando com despesas do governo federal, o valor do programa até 2026 corresponde a 130% do orçamento do Ministério da Saúde em 2024, que é de R$ 231,7 bilhões. O montante para a indústria também bancaria 1 ano e 9 meses de pagamentos a beneficiários do Bolsa Família, considerando o estimado para 2024.
A verba ainda bancaria 80% dos investimentos com recursos públicos do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) até o final da gestão Lula 3, que é de R$ 371 bilhões. Neste ano, o programa de obras custará R$ 55 bilhões.
ENTENDA O PACOTE
O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, disse durante o lançamento da política que os R$ 300 bilhões serão disponibilizados em linhas de crédito específicas –sendo que R$ 271 bilhões serão na modalidade reembolsável e R$ 21 bilhões de forma não-reembolsável – além de R$ 8 bilhões em recursos por meio de mercado de capitais.
Mercadante defendeu ser preciso “regar a indústria com dinheiro”. Dos R$ 300 bilhões previstos, R$ 106 bilhões já haviam sido anunciados em julho de 2023.
A maioria das taxas de juros que serão aplicadas aos novos projetos serão as mesmas já praticadas pelo BNDES e Embrapii, que oferecem crédito a condições da taxa referencial (TR) mais 2% em recursos não reembolsáveis.
A intenção do governo é promover a reindustrialização via indução estatal. No mercado, a eficiência da estratégia é vista com ceticismo. Há preocupação também com o papel do BNDES, que pretende voltar a comprar ações de empresas.
A indústria comemorou. Segundo Léo de Castro, vice-presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), o programa é moderno e sustentável.
“Hoje estamos reafirmando a opção do presidente de recolocar a indústria no centro da estratégia de desenvolvimento, para que possamos retomar índices de crescimento maior e poder ofertar um caminho consistente e alinhado com o que os países desenvolvidos fazem, permitindo mais e melhores empregos, dignidade e orgulho próprio”.
Rafael Lucchesi, diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, afirmou que os R$ 300 bilhões “é um valor insuficiente”. Ele destacou que os “Estados Unidos estão colocando US$ 1,9 trilhão; União Europeia, US$ 2 trilhões; e o Japão, US$ 1,5 trilhão. Então, digamos assim, ainda é pouco; precisamos fazer mais, mas é um belo ponto de partida”.
METAS
O programa define 6 áreas prioritárias para investimentos. O governo também estabeleceu metas a serem atingidas em cada um dos segmentos até 2033. São eles:
- Cadeias agroindustriais: mecanizar 70% dos estabelecimentos de agricultura familiar – atualmente a parcela é de 18%. Além disso, 95% das máquinas devem ser produzidas pela indústria nacional;
- Saúde: ampliar a participação da produção nacional de 42% para 70% das necessidades do país em medicamentos, vacinas e equipamentos médicos;
- Bem-estar nas cidades: reduzir em 20% o tempo de deslocamento das pessoas de casa para o trabalho. Ampliar em 25 pontos percentuais a participação da produção brasileira na cadeia da indústria do transporte público sustentável;
- Transformação digital: digitalizar 90% das empresas industriais brasileiras – hoje são 23,5%. Triplicar a participação da produção nacional nos setores de novas tecnologias;
- Descarbonização: ampliar em 50% a participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes – atualmente os combustíveis verdes representam 21,4% dessa matriz. Reduzir em 30% a emissão de carbono da indústria nacional;
- Defesa: alcançar autonomia na produção de 50% das tecnologias críticas. Serão priorizadas ações voltadas ao desenvolvimento de energia nuclear, sistemas de comunicação, sistemas de propulsão e veículos autônomos e remotamente controlados.