Por José de Castro
SÃO PAULO (Reuters) - Os números melhores da economia brasileira no terceiro trimestre divulgados nesta terça-feira trouxeram algum alento ao cenário para a taxa de câmbio, conforme fortaleceram a narrativa de que a volta do crescimento atrairá mais fluxos e beneficiará o real.
Sinal disso, a moeda brasileira operava em alta nesta terça-feira, destaque num dia negativo para pares emergentes diante da aversão a risco ditada por incertezas comerciais.
A expectativa de retorno de ingresso de capital com uma economia em aceleração tem se tornado um fator-chave nas discussões sobre o câmbio, à medida que outros elementos de influência sobre esse ativo --como diferencial de juros e preços de commodities-- têm jogado contra a moeda brasileira.
O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 0,6% no terceiro trimestre em relação ao segundo. Pesquisa Reuters mostrava expansão de 0,4%, segundo mediana das projeções de 19 analistas.
Pela Focus, o mercado prevê crescimento de 0,99% do PIB em 2019 e aceleração para 2,22% no próximo ano. Também pela sondagem do Banco Central, o dólar cairia de 4,10 reais ao fim de 2019 para 4,01 reais no término de 2020.
Enquanto o déficit em transações correntes e o saldo da balança comercial devam piorar de um ano para o outro, o investimento direto no país (IDP) deverá subir de 75 bilhões de dólares para 80 bilhões de dólares, apontam as projeções, sinalizando maior atratividade do Brasil conforme a economia ganha tração.
Nesse contexto, analistas lembram que, para além do maior ritmo da atividade, o Brasil deverá ser uma das poucas grandes economias a mostrar "delta" positivo de crescimento, o que o coloca ainda em mais destaque aos olhos do estrangeiro e, portanto, pode atrair mais capital ao mercado doméstico.
Dentro do G20, apenas Turquia (+2,737 pontos percentuais), Arábia Saudita (+2,017 pontos) e Argentina (+1,78 ponto) terão variação de crescimento mais acentuada que a do Brasil (+1,164 ponto) entre 2019 e 2020, com base em estimativas mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI). Contudo, os dois primeiros devem registrar crescimento inferior ao do Brasil em 2019, enquanto a Argentina continuará em recessão em 2020.
A economia dos Estados Unidos, por exemplo, se expandirá 0,261 ponto menos em 2020 do que o previsto para 2019.
"Se olharmos para a economia americana, vemos que está mais perto do fim de ciclo, enquanto a do Brasil está apenas começando. Isso faz diferença em termos de decisão de investimento", disse Bruno Marques, gestor dos fundos multimercados da XP Asset.
RETOMADA DO FLUXO
Alguns dados começam a indicar uma possível virada em termos de volta de investimento estrangeiro e fluxo cambial ao país.
Depois de acumular saldo negativo de 40,836 bilhões de dólares em 12 meses até outubro --um recorde negativo desde pelo menos a década de 1980--, o fluxo de câmbio contratado ao Brasil reduz esse déficit em novembro para 35,381 bilhões de dólares.
Apesar de ser um déficit ainda preocupante, o número representa a primeira melhora mensal nessa métrica desde fevereiro --e apenas a segunda do ano.
"O Brasil ainda é extremamente atrativo. O setor privado tem se tornado atrativo", disse Bernardo Zerbini, um dos responsáveis pela estratégia da gestão macro da gestora AZ Quest.
O cenário-base do mercado é que o programa de privatizações e concessões do governo ganhe força em 2020, depois de um 2019 aquém do esperado. O governo já anunciou que visa um projeto de lei para aceleração de privatizações.
"A agenda de fluxos é bastante positiva para os próximos 12 meses. Quanto mais a economia crescer, mais interesse vai haver nesse fluxo de privatização, de investimento real", acrescentou Zerbini.
DESEMPENHO MELHOR, MAS VALORIZAÇÃO EM XEQUE
Apesar de concordarem que a intensificação do crescimento econômico em 2020 é favorável ao real, os analistas consultados ponderaram que isso não necessariamente significa apreciação da taxa de câmbio.
O Itaú Unibanco, por exemplo, ainda estima dólar em 4,15 reais ao fim de 2020, acima dos 4,00 reais esperados para o fim deste ano.
"O fluxo é importante, mas ele convive com outras variáveis em termos de taxa de câmbio. Mas ele pode indicar se o real terá uma performance superior ou inferior a seus pares", disse Luka Barbosa, responsável pela cobertura de atividade econômica no Brasil do Itaú.
Desde 2009, o real tem tido variação anual média de -7,5%, em termos nominais, enquanto o Brasil mostra crescimento anual médio de 1,18%. Já o índice MSCI de moedas emergentes tem no período variação anual média de -0,7%, e as economias emergentes tiveram expansão anual média de 4,9%.
"Não estamos falando mais de dólar a 3,50 reais, 3,60 reais. Acho difícil. O real está estruturalmente mais fraco, mas o desempenho da economia pode servir de alento ao câmbio", disse Zerbini, da AZ Quest.