Pix e “Jogo do Tigrinho” impulsionam a agiotagem no Brasil

Publicado 10.08.2024, 13:38
© Reuters.  Pix e “Jogo do Tigrinho” impulsionam a agiotagem no Brasil

“Empréstimo pelo Pix em menos de 1 minuto” é o que promete uma série de anúncios em redes sociais. A oferta de crédito sem maiores exigências atrai muitos brasileiros. Alguns grupos em redes sociais sobre o assunto têm mais de 60.000 membros, enquanto os perfis que se descrevem como agiotas acumulam seguidores.

A facilidade do sistema de pagamento digital, através do sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central, é um dos fatores por trás da proliferação de ofertas, mas cada vez mais o vício nas apostas online também se destaca, por impulsionar o problema.

Basta uma pesquisa um pouco mais aprofundada nas redes para encontrar os primeiros riscos do crédito alternativo. Diversos usuários reclamam de taxas abusivas e afirmam que não conseguem pagar os valores acordados. Alguns denunciam golpes, falta de pagamento, e por vezes, o fato de terem sido obrigados a pagar algum adiantamento. Crescem, também, os relatos de extorsões por parte de grupos que emprestam dinheiro.

Em 2023, a polícia do Mato Grosso realizou uma operação contra a chamada “Gangue do Chicote”, que se notabilizou no Estado por torturar suas vítimas com tal instrumento e postar as imagens na internet, como represália pela suposta falta de pagamento dos empréstimos.

Lena Carolina Forsman, advogada criminalista da firma Bialski Advogados, lembra que o crime de agiotagem –de menor pena, de 6 meses a 2 anos– normalmente ocorre associado a outras infrações mais graves. Além das somas abusivas cobradas, a especialista aponta um “efeito cascata” gerado pelos grupos, que enquadra lavagem de capitais, estelionato, falsidade ideológica e associação criminosa.

“A agiotagem é muito mais praticada do que se imagina. Percebemos um aumento, na adoção com o Pix ganhando protagonismo”, diz a especialista. Ela afirma que obter empréstimos antes da era das redes sociais era mais complicado, o que normalmente envolvia dinheiro em espécie e contato com assessores.

A educadora financeira e professora da FGV-IDE Ana Paula Hornos aponta que os contatos com agiotas normalmente são feitos por indicação de amigos que já utilizaram esses serviços, e “as redes sociais e o Pix facilitam essas transações, permitindo transferências instantâneas”.

Segundo Forsman, a liberação de crédito de forma mais fácil e menos burocrática incentiva as vítimas a buscarem o serviço. Depois de enviada a verba, criminosos costumam utilizar técnicas de manipulação, como ameaças, retaliação contra familiares ou exposição social.

Sua experiência é que, por desconhecer as leis, muitas vítimas não buscam ajuda legal. Há casos em que os lesados sequer sabem como registrar uma denúncia relativa à questão. Além disso, há o medo de retaliações e o temor do eventual estigma social.

Apostas: um vício perigoso, sobretudo para os jovens

Recentemente ganhou o noticiário uma série de casos envolvendo ameaças de agiotas por dívidas de dezenas e até centenas de milhares de reais. Em comum, o vício das vítimas em apostas esportivas e cassinos online, como o conhecido Fortune Tiger, ou “Jogo do Tigrinho”.

No começo de julho, o corpo do mecânico Marcos Roberto Machado foi encontrado numa rodovia próxima da cidade de Diamantino (MT). A família revelou à polícia que a vítima teria uma dívida de R$ 200 mil com um agiota, resultante de apostas no Jogo do Tigrinho.

Hornos observa uma forte tendência de avanço da agiotagem nesse meio: “O ciclo de dívidas geralmente começa com apostas aparentemente inofensivas e pequenas somas, vistas como uma forma de lazer. No entanto as perdas iniciais podem levar os indivíduos a apostar mais, na tentativa de recuperar o dinheiro perdido”.

As apostas oferecem ainda a promessa de ganhos rápidos e fáceis, altamente atrativa para os jovens em busca de crescimento financeiro acelerado.

“As dívidas de centenas de milhares geralmente resultam da combinação de apostas compulsivas e a utilização de empréstimos. Quando os indivíduos esgotam suas economias e os recursos de crédito formal, recorrem a agiotas, que oferecem empréstimos com juros exorbitantes. A tentativa de recuperar perdas substanciais leva a apostas cada vez maiores, aumentando rapidamente a dívida”, avalia a educadora financeira.

Setor de apostas em alta

Uma pesquisa realizada pela SBVC (Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo) em junho mostra que o apelo das apostas é mais forte entre os jovens, e que também são eles que arriscam mais seu orçamento. Do total dos entrevistados, 29% dos apostadores têm de 25 a 34 anos; 22% de 35 a 44 anos; 15% de 18 a 24 anos; 13% têm 65 anos ou mais; 12% de 45 a 54 anos; e 10% de 55 a 64 anos.

Dos apostadores consultados no estudo, 64% afirmaram utilizar a renda principal para realizar as apostas online, e 63% tiveram parte do orçamento comprometido; 28% dos que deixaram de comprar algo têm entre 18 a 24 anos, contra apenas 5% entre os 55 a 64 anos.

Na visão de Hornos, a adrenalina e excitação associadas às apostas, combinadas com o reforço social entre amigos, a falta de experiência e o desenvolvimento incompleto da capacidade de avaliar riscos, tornam os jovens particularmente vulneráveis.

Uma regulamentação desse setor no Brasil está a caminho. Por outro lado, os cassinos online –onde se enquadra o Jogo do Tigrinho, por exemplo– não são permitidos no país, e as plataformas normalmente usam sedes no Caribe e em ilhas como Malta.

O mercado de apostas brasileiro já soma o equivalente a 1% do PIB (Produto Interno Bruto) do país, segundo estimativa da XP Investimentos (BVMF:XPBR31) sobre o setor. O relatório cita a BNL, segundo a qual os brasileiros apostaram entre R$ 100 bilhões e R$ 120 bilhões em 2023. As empresas do setor faturariam cerca de 13% do valor circulado, ou seja, no mínimo R$ 13 bilhões.

O estudo da SBVC revelou ainda que 49% dos apostadores aumentaram a frequência de suas apostas em 2024. Uma pesquisa da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) sobre investidores no Brasil destacou o setor: em 2023, 14% dos brasileiros usaram as plataformas de apostas. Para 40%, deles, a atividade é uma forma de ganhar dinheiro rápido em momentos de necessidade, com 22% a considerando uma forma de investimento financeiro.

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