Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - A saída contundente de Sergio Moro do Ministério da Justiça com acusações de interferência política ao presidente Jair Bolsonaro embaralha o cenário para a agenda econômica de Paulo Guedes prosperar, em um momento já delicado por conta das pressões por gastos com o coronavírus, disseram duas fontes da equipe econômica à Reuters.
"Você enfraquece uma linha argumentativa que era a linha da resistência às velhas fórmulas políticas. Precisa ver se a resistência vai continuar ou se é a aproximação com os líderes do centrão", disse uma das fontes.
Em meio às conversas com o centrão, o governo já havia aberto espaço para divulgação de um plano para retomada econômica com participação de investimentos públicos, embora Guedes siga integralmente comprometido com o impulso à atividade por meio de reformas e desburocratização para atração de investimentos privados. Nenhum integrante da equipe econômica participou do anúncio.
Os vultosos gastos com o combate à pandemia de Covid-19 são vistos como essenciais pelo ministro para minorar o impacto social e econômico do surto, pelo entendimento de que esta é uma situação emergencial que demanda atuação do Estado.
"Agora, usar o momento pra fazer desenvolvimento já foi tentado e não deu certo, deu até impeachment. Então ninguém da equipe arrisca CPF. Ninguém", completou a fonte.
Uma segunda fonte da equipe econômica afirmou ser "muito difícil" avaliar neste momento como fica a perspectiva de curto prazo para a agenda econômica em meio às incertezas ligadas ao xadrez político.
"Fala do Moro é muito forte. Deve gerar consequências", disse.
Em poucos dias, Guedes já havia enfrentado uma sucessão de reveses, a começar pela aprovação pela Câmara dos Deputados de um projeto de auxílio a Estados e municípios que abriu a porta para compensação integral pela União de perdas com arrecadação por conta da crise, independentemente do tamanho do buraco a ser coberto pelo Tesouro.
O texto teve a benção do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o que esgarçou suas relações com Guedes, outrora amistosas por conta das convergências na pauta econômica.
A equipe econômica se empenhou para ajustar o texto no Senado, em articulação com o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ao mesmo tempo em que seguiu elaborando medidas para o enfrentamento à fase mais aguda da crise, algumas das quais ainda seguem em gestação, como o programa de auxílio ao crédito às médias empresas com garantias de fundo do BNDES.
O anúncio do chamado plano Pró-Brasil, apelidado nos bastidores de Plano Marshall, foi então recebido como uma nova bomba fiscal e como uma traição do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que antes de assumir a pasta era peça proeminente do time de Guedes.
A percepção é que Marinho teria "girado a chave" com propósitos políticos, mirando beneficiar o Nordeste com a promoção de obras públicas. Marinho, que era secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, relatou a reforma trabalhista aprovada no governo do ex-presidente Michel Temer e tentou se reeleger sem sucesso deputado federal pelo PSDB no Rio Grande do Norte, em 2018.
Segundo a primeira fonte, a atuação de Marinho foi vista no alto escalão da equipe econômica como alinhada ao pensamento majoritário do centrão, num contexto de aproximação recente de Bolsonaro com parlamentares como o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), o presidente do PRB e primeiro vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (SP), e o deputado Arthur Lira (AL), líder do PP na Casa.
Agora, a saída conturbada de Moro adicionou volatilidade aos mercados e passou a alimentar entre economistas preocupações sobre o futuro do ministro da Economia.
A avaliação é que a agenda econômica ortodoxa, que já estava perdendo força em meio à crise da pandemia do coronavírus, tende a ficar ainda mais de lado no governo diante de esforços do presidente para se reposicionar politicamente.
Antes mesmo da vitória de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018, Guedes teve encontros com Moro e foi um dos responsáveis por levá-lo ao governo, sondando-o a respeito da possibilidade de que assumisse a pasta da Justiça.
Enquanto Guedes era visto como o grande fiador de Bolsonaro junto ao mercado, ferrenho defensor de uma agenda econômica liberal, Moro era considerado maior símbolo do compromisso do governo com o combate à corrupção.
Nesta sexta-feira, Guedes cancelou compromissos em sua agenda pública. Procurado, o Ministério da Economia não se manifestou imediatamente.