Por Maria Carolina Marcello e Jake Spring
BRASÍLIA (Reuters) - A votação do projeto de lei que trata da regularização fundiária na Câmara dos Deputados, prevista para esta quarta-feira, foi adiada diante da pressão de setores do governo para a retomada de pontos já modificados no texto, como o tamanho das propriedades a serem dispensadas de vistoria prévia e o marco temporal de ocupação.
O relator do projeto, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), disse à Reuters que estava tudo "tranquilo" e caminhando para a votação, já que havia construído um acordo com o autor do projeto, Zé Silva (SD-MG), e com vários setores envolvidos na proposta. Apontou, no entanto, para interferência de alas do governo, que resultaram no adiamento.
"Alguns setores do governo desejam um projeto mais flexível e com limites maiores. Eu não tenho como avalizar isso porque meu compromisso é com a garantia de titulação, crédito e adesão a programas governamentais aos pequenos produtores e agricultores familiares, com preservação do meio ambiente e travas a grilagem. Como amazonense eu não posso me afastar disso", disse o relator.
Depois, em nota, Ramos afirmou que "é um direito legítimo do governo apresentar a sua pauta", acrescentando que seu relatório "será mantido nos limites já impostos pelo projeto do deputado Zé Silva", tendo 2008 como marco temporal para a comprovação da ocupação de terras e a dispensa de vistoria prévia para regularização de imóveis com até 6 módulos fiscais.
Segundo o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), a votação do projeto deve ficar para a próxima semana, dado confirmado por uma outra fonte que acompanha as negociações.
A pauta da sessão desta quarta trazia um requerimento para conferir regime de urgência ao projeto, o que permitiria a votação da proposta em seguida. Mas, logo ao iniciar a sessão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que trabalhava pela votação nesta tarde, anunciou a falta de acordo para votar a urgência.
"Tinha combinado de votar duas urgências. Acho que uma das duas não tem acordo com o governo", disse, referindo-se à que trata do projeto da regularização fundiária.
O presidente da Câmara disse na véspera considerar o texto equilibrado, e tem trabalhado para evitar emendas em relação ao tamanho das propriedades com dispensa da vistoria prévia e o marco temporal.
Maia recebeu, em 8 de maio, carta assinada por oito ex-ministros do Meio Ambiente, na qual argumentavam que a proposta abria "as portas para uma ampla anistia à grilagem de terras públicas, em especial na Amazônia" sob o pretexto de "facilitar a necessária regularização fundiária para pequenos proprietários".
O texto original sobre o tema, editado na forma de uma medida provisória, adotava 2014 como marco temporal e estabelecia a dispensa para propriedades de até 15 módulos fiscais. Os dois termos, considerados já vencidos no início da discussão, são defendidos por setores do governo nas negociações, segundo Zé Silva, autor do projeto que seria votado nesta quarta.
"O governo propõe um substitutivo com marco temporal de ocupação para 2014 e que passa a vistoria por sensoriamento remoto de 6 para 15 módulos fiscais", disse à Reuters o deputado.
Para Silva, o texto a que se chegou após muito debate é uma "síntese de teses divergentes sobre o tema". Zé Silva era o relator da MP e transformou seu parecer sobre o tema no projeto, agora a cargo de Marcelo Ramos.
De acordo com o deputado, mesmo discordando de alguns pontos, até mesmo a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) defendia a votação da proposta.
O grupo parlamentar já pressionava pela votação da então MP e chegou a enviar ofício aos presidentes da Câmara e do Senado para que dessem celeridade à tramitação da medida. O grupo parlamentar argumentou, na ocasião, que a regularização fundiária "envolve famílias brasileiras que aguardam a atuação do Congresso Nacional para continuar o cultivo da terra e a contribuição para o desenvolvimento do Brasil".
Na tarde desta quarta, o coordenador da FPA, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), afirmou que nenhum integrante do grupo tem interesse em aprovar qualquer matéria que implique em desmatamento ilegal ou grilagem de terra.
"Eu tenho que ouvir que nós estamos protegendo grileiros. Eu me nego a votar um projeto de texto com essa compreensão. Nós não queremos proteger grileiro algum.... nós queremos é dar escritura pública e registro ao cidadão que ocupa essa terra", argumentou, da tribuna da Câmara.
Na terça-feira, supermercados britânicos alertaram o governo brasileiro que podem boicotar produtos do país caso seja aprovado no Congresso o projeto de lei de regularização fundiária, que segundo ambientalistas pode permitir a aceleração da destruição da floresta amazônica.