Por Jamie McGeever
ORLANDO, EUA (Reuters) - O Banco Central do Brasil colocou a si mesmo na linha de frente da batalha global contra a inflação, mas seu agressivo aperto monetário corre o risco de sufocar a economia.
Com a inflação em 12 meses perto de 10%, o BC vai falhar em atingir sua meta central de 3,75% este ano e possivelmente a de 3,5% do ano que vem também. Uma moeda cronicamente fraca e novas preocupações com as contas públicas estão apenas redobrando seu comprometimento com o aumento dos juros.
Em muitos aspectos, o BC tem pouca escolha.
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Diferentemente do banco central norte-americano, o Federal Reserve, ou do Banco Central Europeu, que recentemente desfocaram suas orientações de alcance da meta de inflação para ganharem maior flexibilidade em suas políticas, o arcabouço do BC é mais rígido.
O BC tem uma meta para o fim do ano, com margem de erro de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos, que lhe garante algum espaço. Mas tem uma obrigação efetiva com uma projeção, e dado o passado de hiperinflação do Brasil, os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) detestam arriscar sua credibilidade ao não atingi-la.
É por isso que o Copom entregará sua quinta alta consecutiva de juros em 22 de setembro. A única dúvida é se a taxa Selic será elevada em 100 pontos base, como ocorreu em agosto, ou mais.
Mas esta é uma ferramenta contundente e as perspectivas econômicas estão ficando mais turvas.
De acordo com alguns indicadores, as taxas de juros reais no Brasil não estão profundamente negativas, como prega o pressuposto corrente, mas na verdade estão entre as mais altas entre todas as principais economias.
Robin Brooks, do Instituto de Finanças Internacionais (IIF) em Washington, calcula que, com base nos rendimentos nominais dos títulos do governo de 10 anos e nas taxas de inflação de equilíbrio de 10 anos, a taxa de juros real do Brasil está pouco abaixo de 5%.
Este é o nível mais alto em uma série de economias desenvolvidas e emergentes.
Brooks diz que o uso de medidas de inflação de longo prazo elimina os atuais problemas de gargalos na oferta e "ruído" nas recentes leituras de inflação, apontando para uma figura mais justa.
Jason Vieira, da Infinity Asset Management em São Paulo, usa uma visão de curto prazo, mas chega a uma conclusão semelhante. Com base na diferença entre as taxas mais líquidas de juros futuros de 12 meses e a inflação projetada para o próximo ano, ele calcula que as taxas reais no Brasil estão em torno de 2,5%.
Isso pode não parecer muito, mas de acordo com sua análise de 40 grandes economias desenvolvidas e emergentes, é o segundo maior patamar do mundo, atrás apenas do da Turquia. E ele vê um aumento nos juros reais para acima de 4% no ano que vem.
Década perdida
As recentes oscilações na inflação, na moeda e nas taxas de juros do Brasil foram notáveis.
O Copom está agora comandando um dos ciclos de aperto monetário mais agressivos de qualquer banco central do G20, e a inflação é a terceira mais alta de qualquer país do G20, atrás da Argentina e da Turquia.
Mesmo assim, em maio do ano passado a inflação foi a mais baixa já registrada na história do Brasil, abaixo de 2%, e até março deste ano a Selic estava na mínima histórica de 2%. Atualmente, a taxa está em 5,25% e pode encerrar o ciclo de alta mais perto de 10%.
O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga compartilha da visão ortodoxa de que o BC não tem outra opção que não aumentar a taxa básica de juros a fim de ancorar a credibilidade na inflação, apoiar a moeda e conter uma perspectiva fiscal em deterioração.
"Não estamos em uma situação totalmente controlada ainda", disse ele à Reuters neste mês.
Mas ele também reconheceu que há muito tempo o crescimento econômico é "realmente medíocre". Os períodos de crescimento são geralmente "baixos e altamente voláteis" e vão além da pandemia e dos ciclos econômicos de curto prazo.
Segundo a pesquisa Focus mais recente, feita pelo BC com mais de 100 economistas, o Brasil deve crescer 5% este ano. Trata-se de uma recuperação sólida "em formato de V" ante a contração de 4,1% do ano passado, como costuma apontar o ministro da Economia, Paulo Guedes.
No entanto, a previsão do Focus para o Produto Interno Bruto (PIB) do próximo ano caiu para 1,6%, de 2% três semanas atrás. Em março, a projeção era de 2,5%.
A economia do Brasil já trilhou metade do caminho em direção a uma década perdida. Ela está hoje 3% menor do que no seu pico, no início de 2014, e, desde então, sofreu duas recessões profundas e não conseguiu crescer mais que 2% em 2017, 2018 e 2019.
O desemprego permanece cronicamente alto. A taxa ficou acima de 14% durante a maior parte do ano passado, e a última vez que esteve abaixo de 10% foi há quase seis anos.
Os números subjacentes também mostram que, se a taxa de participação da força de trabalho estivesse nos níveis anteriores à crise, o desemprego seria superior a 20%. Mais de 30 milhões de pessoas, quase um terço da força de trabalho ativa, estão subempregadas.
É improvável que taxas de juros significativamente mais altas reduzam esse número ou fortaleçam a dinâmica de crescimento do Brasil no curto prazo.