Buenos Aires, 24 ago (EFE).- O Governo argentino levará à Justiça
o relatório oficial apresentado hoje sobre a companhia Papel Prensa
segundo o qual houve "ilegalidades" na compra da empresa por parte
dos jornais "Clarín" e "La Nación" durante a última ditadura militar
(1976-1983).
"Estes expedientes serão apresentados pelo procurador do Tesouro
e a Secretaria de Direitos Humanos ante os palanques judiciais
correspondentes para julgar os fatos", disse a presidente argentina,
Cristina Fernández de Kirchner, durante a apresentação do relatório
sobre a única empresa dedicada a produção de papel jornal no país.
Recebida pelo Governo em plenário, políticos governistas,
empresários e representantes do corpo diplomático, Cristina anunciou
também a apresentação de um projeto de lei para declarar a produção
de papel jornal como de interesse nacional, garantir a igualdade de
condições de acesso para todos os veículos e evitar a importação.
O relatório contém "provas irrefutáveis sobre a apropriação
ilegal da empresa Papel Prensa S.A. por parte dos atuais grupos
controladores do setor privado", ou seja, os diários "Clarín" e "La
Nación", segundo Alberto González Arzac, conselheiro do Estado na
direção da empresa.
Beatriz Paglieri, representante do Estado na direção da
companhia, assegurou que a investigação determinou que a Papel
Prensa vendeu papel "abaixo do custo de produção" às empresas
relacionadas com os acionistas privados e obrigou seus concorrentes
a importar papel jornal a preços 50% mais altos.
O capital da Papel Prensa está dividido entre o grupo Clarín
(49%), o Estado (27,46% de forma direta e 0,62% por meio da agência
oficial Télam) e o "La Nación" (22,49%), com 0,43% nas mãos de
terceiros.
Fundada em 1972 com o objetivo de livrar a imprensa local da
importação de papel, a Papel Prensa fornece papel jornal para 170
veículos do país e tem 75% do consumo doméstico.
A história da Papel Prensa fica nebulosa em 1976, após o início
da ditadura militar argentina, em uma trama que envolve a dona do
"Clarín", Ernestina Herrera de Noble; o presidente do grupo, Héctor
Magnetto; e o diretor do "La Nación", Bartolomé Mitre.
Naquele ano, houve a compra de ações das mãos de Lidia Papaleo,
viúva do proprietário anterior da Papel Prensa, David Graiver, morto
em um acidente aéreo em 7 de agosto de 1976 relacionado ao grupo
guerrilheiro Montoneros.
Após a morte de Graiver, segundo o relatório, Papaleo e vários de
seus familiares e sócios do grupo empresarial Graiver foram
ameaçados até vender as ações da Papel Prensa.
A presidente fez hoje um relato pormenorizado das circunstâncias
da operação e que, segundo ela, se assemelham a um "thriller
argentino", com "dados apavorantes" que reconstroem uma "história
obscura, sórdida, de vexações e humilhações".
Segundo a versão oficial, em novembro de 1976, "depois de ameaças
pessoais sobre ela e sua filha", Papaleo "é obrigada a assinar" a
venda.
Em 1977, poucos dias após terminar os trâmites da venda, Papaleo
foi sequestrada pela ditadura, torturada, estuprada e condenada a 15
anos de prisão.
A venda foi fechada por US$ 996 mil em parcelas, mas o valor
patrimonial da companhia era de US$ 4,3 milhões. Papaleo só recebeu
US$ 7 mil, a primeira parcela antes de sua prisão.
"É como se já se soubesse que ela nunca poderia cobrar", apontou
Cristina, ao denunciar que os sócios privados da empresa
atrapalharam a investigação e ocultaram documentação.
O processo da Papel Prensa é mais uma página na guerra aberta
entre o Governo e o grupo Clarín, antigo aliado do kirchnerismo e
hoje inimigo da presidente e seu marido e antecessor no cargo,
Néstor Kirchner.
O grupo Clarín, o mais poderoso do país, é o principal afetado
pela legislação de comunicação impulsionada pelo Executivo e acaba
de sofrer uma dura derrota pela decisão do Governo de retirar a
licença da Fibertel, sua empresa de serviços de internet.
O grupo denunciou que o relatório "é o passo mais ousado do
Governo kirchnerista contra os meios de comunicação, e em particular
contra os diários 'La Nación' e 'Clarín'".
Os dois jornais publicaram hoje um editorial no qual asseguram
que "a Justiça não encontrou vínculo algum entre a detenção dos
Graiver e a Papel Prensa" e denunciaram um "plano" do Governo para
assumir a companhia. EFE.