SÃO PAULO (Reuters) - Diretor por trás de “Instinto Selvagem” (1992), Paul Verhoeven, com 78 anos, mostrou que ainda é capaz de apertar os botões certos para provocar e divertir perversamente seu público em seu mais recente trabalho, “Elle”, que competiu no Festival de Cannes e foi indicado o representante francês a uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro 2017.
A polêmica sobre jogos sexuais violentos envolvendo Michèle Leblanc (Isabelle Huppert) e um agressor mascarado – não revelemos ainda sua identidade, para não entregar nada antes da hora – certamente virá depois.
Em todo caso, não há dúvida de que Verhoeven, como um Hitchcock moderno e bem mais explícito, explora os lados obscuros das pulsões de seus personagens, partindo do livro de Philippe Djian, autor de “Betty Blue”, que rendeu o filme cult de 1986.
A protagonista é uma executiva de sucesso, que comanda uma bem-sucedida empresa de videogames, ao lado de uma amiga, Anna (Anne Consigny) – uma chance para que o filme explore com ironia o choque de gerações, já que as duas senhoras chefiam uma turma de garotos. Cabe a Michèle exercer esse controle com mão de ferro, observações duras e nenhuma concessão.
O filme começa em tom alto, justamente pelo som da agressão sexual a Michèle em sua ampla casa - a princípio, nada se vê, exceto o final. Verhoeven voltará a essa cena outras vezes, para definir o caráter contraditório dessa mulher fria, calculista e que esconde um passado complicado, mantém relações ambíguas com seu casal de vizinhos, Patrick (Laurent Lafitte) e Rebecca (Virginie Efira), além de um duelo permanente com seu filho (Jonas Bloquet) e nora (Alice Isaaz).
Esse passado de Michèle, que envolve seu pai, justifica a reação surpreendente dela em relação à denúncia à polícia (mais uma vez, evite-se os detalhes). O que cabe dizer é que “Elle” é um filme de gênero que escapa de muitas armadilhas habituais justamente por pescar em águas sombrias e ser eficaz em seu suspense, humor negro e drama de gênero.
A personagem foi feita à imagem e semelhança dos recursos de Isabelle, sempre crível quando é feroz. Essa consistência na composição da personagem é que impede que a história se torne misógina (embora sempre possa haver quem tenha essa interpretação). Provocativa ela é, e muito.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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