Eduardo Davis.
Porto Alegre, 27 jan (EFE).- Intelectuais e ativistas que participam do Fórum Social Mundial, realizado nestes dias em Porto Alegre, concordaram nesta sexta-feira em dizer que a democracia na Europa foi "sequestrada" por um mercado financeiro "insaciável", que não conhece limites e agora ameaça os direitos humanos e políticos.
"A Europa tem suas democracias e suas Constituições suspensas, e quem manda agora é o (banco) Goldman Sachs", afirmou o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, em um debate junto ao arquiteto brasileiro Chico Whitaker, o jornalista espanhol Ignacio Ramonet e o ativista francês Bernard Cassen, todos fundadores do Fórum.
Na opinião de Boaventura, a atual crise demonstra que o Fórum Social tem razão ao dizer que "o capitalismo é antidemocrático e a melhor prova disso é que o país mais pujante do mundo, a China, despreza a democracia".
Em relação à Europa, o sociólogo afirmou que a crise financeira chegou à política e, por isso, surgiram os recentes protestos anticapitalistas pelo mundo, como os do movimento Occupy Wall Street - iniciado em Nova York - e da mobilização dos "indignados" na Espanha.
"Na política europeia, a única tradição política que sobrevive hoje é o anarquismo, porque, como diferenciar a esquerda da direita se as duas agem da mesma forma?", declarou Boaventura, ovacionado pelas cerca de mil pessoas que assistiam a seu discurso.
Ramonet se mostrou de acordo e disse que, nos últimos meses, a Europa testemunhou "verdadeiros golpes de Estado promovidos pelo mercado financeiro, que derrubou governos democraticamente escolhidos como os da Itália e Grécia para impor os nomes aprovados pelos banqueiros contra a vontade dos cidadãos".
Cassen, um dos fundadores da Associação pela Taxação das Transações financeiras e pela Ação Civil (Attac) - que há mais de uma década propõe taxar as operações financeiras e aplicar maiores controles ao mercado, tal como agora o mundo desenvolvido discute -, disse que "a única novidade atual é a enorme multiplicidade de rupturas".
O ativista ressaltou que hoje se vive "uma crise ambiental, outra alimentar, outra econômica e financeira e outra política". Em sua opinião, isso reflete "o caráter finito dos recursos e a expansão sem limites ou controles de um setor financeiro que não se sacia nunca".
Ele condenou também "a hipocrisia de um modelo que diz estar preocupado com os pobres, mas não percebe que é impossível acabar com as crises de fome quando se permite que os alimentos sejam ações cotadas nos mercados de futuros".
A única saída, segundo Cassen, é "acabar com a ditadura dos mercados, que derrubou os governos de seus campos naturais de atuação e os obriga a trabalhar para tranquilizar os agentes financeiros, em vez de tranquilizar os cidadãos".
Chico Whitaker, por sua vez, também criticou as crises citadas por Cassen e considerou que, no caso europeu, um agravante é que os movimentos de indignados protestam contra os partidos, "que são até agora a única forma conhecida de organização política da sociedade".
O brasileiro sustentou, no entanto, que muitas dos protestos são motivados por uma redução dos padrões de "consumo e mais consumo, uma loucura de consumo, que é o que faz funcionar essa maquinaria infernal que vai acabar arrebentando o planeta".
Em relação à América Latina, o português Boaventura também manifestou críticas, inclusive aos governos de centro-esquerda que chegaram ao poder na região na última década. Para o sociólogo, os líderes "não atacaram o problema de fundo, que é o capitalismo".
"Dói ver índios bolivianos e equatorianos acusados de terrorismo por bloquear estradas contra empresas que querem destruir suas terras", declarou Boaventura, que contestou também a esquerda latino-americana por manter políticas de destruição do meio ambiente.
Para ele, a esquerda latino-americana herda hoje a "maldição de ter transformado seus militantes em funcionários" e deverá "começar a pensar de outra maneira", porque, senão, a crise que atinge a Europa chegará à América Latina "e o fará com força", para dar lugar a "novos barbarismos". EFE