Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, frisou nesta sexta-feira que o compromisso com a sustentabilidade das contas públicas é crucial para o trabalho da autoridade monetária, num momento em que as taxas longas de juros voltam a atingir o patamar de dois dígitos, guiadas pelo temor dos agentes com a elevação dos gastos públicos.
Ao participar do 4º Encontro Folha Business em Vitória (ES), Campos Neto afirmou ser impossível para qualquer Banco Central do mundo fazer o trabalho de segurar expectativas de inflação com o quadro fiscal descontrolado.
Ele ponderou que o nível de dívida bruta do país não está muito diferente do verificado antes da pandemia, com o país se saindo "relativamente bem" na comparação com outros emergentes. O quadro, inclusive, chegou a desencadear um bom humor do mercado, com o dólar caindo abaixo de 5 reais, acrescentou Campos Neto.
Mas ele ressaltou que o sentimento de mercado virou em meio a preocupações mais recentes com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, incertezas sobre o financiamento do novo Bolsa Família e concessão de incentivos para setores específicos.
"Fluxo financeiro mundial compra duas coisas: crescimento e sustentabilidade. No mundo emergente, sustentabilidade é interpretada como sustentabilidade fiscal", pontuou.
"Eu volto a dizer que a coisa mais importante num país que tem o nível de dívida que o Brasil tem, que já flertou com esse problema muitas vezes, é passar uma mensagem de credibilidade fiscal. Essa mensagem vai permitir ao Banco Central fazer trabalho com menor nível de juros e com maior eficiência", acrescentou.
Campos Neto também afirmou que, embora os países emergentes que gastaram muito na pandemia tenham tido retomada mais rápida, como o Brasil, as outras nações do grupo também estão se recuperando.
"(Gastar) não garante que seu crescimento estrutural será mais alto. Ao contrário, se você se endivida mais, a tendência é que seu crescimento estrutural para frente seja prejudicado. É preciso passar sempre uma mensagem de disciplina fiscal", disse.
INFLAÇÃO
Sobre a inflação, Campos Neto avaliou que alta de preços no país foi influenciada "um pouco" pela desvalorização do real, mas citou a contribuição paralela de "vários outros fatores", como o aumento dos custos da energia pelo problema hídrico.
O presidente do BC também chamou a atenção para a elevação das commodities e para fatores climáticos que impactaram preços de alimentos, além do choque de demanda causado pelo "dinheiro grande" injetado no auxílio emergencial que se transformou em consumo.
De acordo com Campos Neto, o movimento de alta da inflação do curto prazo teve algum alastramento, razão pela qual o BC entendeu que era necessário movimento de ajuste para prover ancoragem de expectativas de inflação.
Diante das pressões inflacionárias, o BC elevou a Selic em 1 ponto percentual na semana passada, a 5,25% ao ano, e indicou que deve adotar outra elevação de igual magnitude na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em setembro.
Em suas falas mais recentes, Campos Neto tem frisado que o BC fará o que for preciso para ancorar as expectativas de inflação, após o BC já ter indicado, desde a decisão do Copom, que agora vê a necessidade de levar a taxa de juros para acima do patamar neutro --isto é, atuando no sentido de desaquecer a economia.
Segundo a própria autoridade monetária, a taxa neutra seria de cerca de 6,5%. No mercado, agentes passaram a projetar a Selic fechando o ano em 7,25%, conforme boletim Focus mais recente.