Eduardo Davis.
Brasília, 26 set (EFE).- O mercado é capaz de gerar crises
financeiras e também de "criar" problemas nervosos, para os quais
"sempre há à venda uma pílula que os cura", diz a psicanalista
argentina Marta Gerez-Ambertín.
Em Brasília para o Congresso Internacional de Psicanálise e
Direito organizado pela Escola Lacaniana de Psicanálise da capital,
Gerez-Ambertín disse em entrevista à Agência Efe que os melhores
exemplos de problemas nervosos atuais são a bipolaridade e a
síndrome de pânico, que considerou como "invenções" do mercado.
Do ponto de vista clínico, a bipolaridade é definida como um
transtorno maníaco depressivo, que leva uma pessoa de uma euforia
incontrolável a uma aguda depressão sem causa aparente ou
vice-versa, enquanto a característica principal da síndrome de
pânico é uma forte angústia diante de determinadas situações.
Segundo Gerez-Ambertín, professora das universidades Nacional de
Tucumán (Argentina), Nacional Autônoma do México (UNAM) e da Costa
Rica, nos dois casos, são problemas "rebatizados pelo mercado
mundial de medicamentos", o qual convence à sociedade de que podem
ser superados com remédios.
"Oferecem pílulas para obter a felicidade, mas primeiro descobrem
o comprimido e depois inventam um novo quadro clínico", diz a
especialista.
Para ela, a síndrome de pânico "não é mais que uma angústia que
pode ser gerada por múltiplos fatores" e tratada sem necessidade de
medicamentos.
Quanto à bipolaridade, Gerez-Ambertín diz que "todas as pessoas
passam por diferentes estados de ânimo ao longo de um dia", motivo
pelo qual isso não representa uma doença que precise ser tratada com
medicamentos.
No entanto, a psicanalista afirma que os grandes laboratórios
criaram "uma pílula para quando uma pessoa está triste e outra para
quando está eufórica", usada para que esse indivíduo chamado bipolar
"volte ao estado de depressão".
Segundo Gerez-Ambertín, o auge desse tipo de medicamento produziu
uma queda na psicanálise, pois em uma sociedade global na qual "a
regra é o consumo, uma pílula é muito mais atrativa do que a
palavra".
A psicanalista considera que essa realidade é consequência da
alienação gerada pela sociedade de consumo, que já tinha sido
antecipada por Sigmund Freud, o pai da psicanálise, depois da
Primeira Guerra Mundial.
"Com uma capacidade de prognóstico do futuro incrível, Freud viu
mais violência, uma aposta feroz no consumismo para uma faixa
pequena da sociedade, e uma crescente faixa de pobreza e exclusão",
tudo o que caracteriza a sociedade atual, diz a argentina.
Em sua opinião, "o neocapitalismo gerou a mudança do cidadão para
o consumista. Aquele que não pode consumir, deixa de ser cidadão e
se transforma em excluído, mas mesmo assim serve ao mercado para
experimentar remédios ou drogas e até para que seus políticos
consigam votos".
Gerez-Ambertín também atribuiu à "morte das ideologias" o
agravamento de todos esses fenômenos e parte da derrocada sofrida
pela psicanálise.
Segundo a psicanalista argentina, o tratamento psicanalítico era
"um inimigo aparente das ideologias até alguns anos atrás, mas hoje
parece ser uma das poucas ideologias que realmente busca fazer com
que o ser humano procure o contato social". EFE