Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, disse nesta quinta-feira que o STF não vê razão para mudanças constitucionais que visem alterar as regras do seu funcionamento, ressaltando que países que viveram recentemente retrocessos democráticos começaram por mudanças nas supremas cortes.
"O Supremo Tribunal Federal não vê razão para mudanças constitucionais que visem a alterar as regras de seu funcionamento", afirmou.
"Num país que tem demandas importantes e urgentes, que vão do avanço do crime organizado à mudança climática que impactam a vida de milhões de pessoas, nada sugere que os problemas prioritários do Brasil estejam no Supremo Tribunal Federal", reforçou ele, ao citar que as mudanças discutidas pelo Congresso, em sua maior parte, já foram feitas recentemente pelo próprio Supremo.
As declarações, feitas no início da sessão do Supremo desta tarde, vêm um dia depois de o Senado aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que restringe as decisões monocráticas por parte de integrantes de tribunais superiores do país, entre outros pontos.
Barroso destacou que nos últimos anos o Supremo enfrentou o negacionismo em relação à pandemia, salvando milhares de vidas, o negacionismo ambiental, enfrentando o desmatamento da Amazônia e a mudança climática, bem como funcionou como um "dique de resistência contra o avanço autoritário".
"Por esse papel, o tribunal sofreu ataques verbais e a criminosa invasão física que vandalizou as instalações da corte. Após esses ataques verbais e físicos, o tribunal vê com preocupação avanços legislativos sobre sua atuação", criticou.
"E cumpre lembrar: em todos os países que, recentemente, viveram o retrocesso democrático, a erosão das instituições começou por mudanças nas supremas cortes. Os antecedentes não são bons", acrescentou.
A reação de Barroso foi discutidas nos bastidores na Corte e também contou com um duro pronunciamento do decano do STF, ministro Gilmar Mendes.
"Esta Casa não é composta por covardes, esta Casa não é composta por medrosos", disse Mendes.
"Cumpre dizê-lo com serenidade, mas com firmeza, e com o desassombro que este tipo de investida exige de todos nós, membros desta Casa multicentenária: este Supremo Tribunal Federal não admite intimidações”, acrescentou.
O decano ressaltou que o Supremo não se curvou à ditadura militar e, num passado recente, tampouco sucumbiu ao populismo que levou aos ataques do 8 de janeiro. Ele mandou um recado aos parlamentares e, em especial e indiretamente, ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), autor da PEC e patrocinador da sua tramitação célere.
"Esta mesma corte não haverá de submeter-se ao tacão autoritário venha de onde vier ainda que escamoteado pela pseudo-maioria eventual", disse.
"Autores desta empreitada começaram-na travestidos de estadistas presuntivos e a encerram como inequívocos pigmeus morais."
SEM INSTITUIÇÕES "INTOCÁVEIS"
No início da noite foi a vez de Pacheco reagir. Em rápido pronunciamento, o presidente do Senado rechaçou o que chamou de "agressões" de ministros do Supremo e ainda destacou que as instituições não são "intocáveis".
"Não admito que se queira politizar e gerar problema institucional", disse.
"Não me permito fazer debate político tampouco receber agressões como recebi do Supremo Tribunal Federal", reforçou ele, ao destacar novamente que a PEC não se trata de qualquer tipo de enfrentamento e retaliação.
O senador ressaltou ainda que não se permite debater e polemizar com ministros do Supremo e que o tribunal não é corte nem arena para disputa política.
Em sua fala do púlpito em frente à presidência do Senado, que não abriu para questionamentos, Pacheco afirmou que nenhuma instituição tem o monopólio da defesa da Constituição.
"Eu como presidente defendi o Supremo Tribunal Federal, defendi a Justiça Eleitoral, defendi as urnas eletrônicas, defendi os ministros do Supremo Tribunal Federal, defendi a democracia do nosso país, repelir em todos os momentos arguições antidemocráticas, inclusive a que consubstanciou o 8 de janeiro com os ataques que nós sofremos, estivemos unidos nesse propósito, mas isso não significa que as instituições sejam imutáveis, ou sejam intocáveis", ressaltou.
Pacheco afirmou que está em busca do equilíbrio entre os Poderes e defendeu que uma lei aprovada pelo Congresso não pode ser desconstituída por decisão de um único ministro do STF.
Conforme relatado mais cedo pela Reuters, o Supremo preparava uma reação à PEC aprovada no Senado, embora o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não tenha interesse, ao menos por ora, de colocar a matéria em votação entre os deputados, segundo fontes ouvidas pela agência.
Nos bastidores, segundo fontes, havia duas linhas de atuação no Supremo. A primeira era usar a sessão desta quinta-feira do plenário para questionar a iniciativa aprovada pelos senadores -- que foi colocada em prática com os discursos de Barroso e Mendes.
Em outra, passaram a discutir uma eventual reação aos senadores que poderia passar até pelo fim da restrição do foro privilegiado, retomando ao STF o poder para lidar com investigações criminais de parlamentares.