Por Andrea Shalal
WASHINGTON (Reuters) - O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, recebeu nesta sexta-feira na Casa Branca o presidente Luiz Inácio Lula da Silva num relançamento das relações entre os dois países após o fim do turbulento governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, um aliado do ex-líder dos EUA Donald Trump.
Biden e Lula abriram a reunião no fim da tarde no Salão Oval dizendo à imprensa que compartilham valores relacionados ao combate às mudanças climáticas e à proteção da democracia contra o crescimento do autoritarismo.
“Temos que continuar defendendo a democracia e nossos valores democráticos que formam o cerne da nossa força”, disse Biden a Lula, antes de uma conversa privada entre os dois líderes, acrescentando que os dois estão “na mesma página” em relação à “crise climática”.
As relações entre as duas maiores democracias do hemisfério ficaram tensas durante o governo de Bolsonaro.
O ex-presidente viajou para a Flórida dois dias antes do seu mandato terminar, sem ter reconhecido o resultado da eleição de 30 de outubro em que perdeu para Lula por uma margem pequena. Dias depois, um movimento violento de negacionistas eleitorais apoiadores de Bolsonaro invadiu o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF).
O Brasil “ficou quatro anos se automarginalizando” sob o presidente anterior, disse Lula na Casa Branca, sem mencionar Bolsonaro pelo nome.
O mundo dele, disse Lula, “terminava e começava com a fake news, de manhã, de tarde e de noite”, o que levou Biden a rir e dizer: “Isso me soa familiar”.
Lula disse que o Brasil está tentando se reposicionar no mundo, e que os dois países nunca mais podem permitir ataques como o dos apoiadores de Bolsonaro no mês passado ou outro que esse ecoou, a invasão de 6 de janeiro de 2021 do Capitólio dos EUA para impedir a certificação da vitória de Biden em 2020 por apoiadores de Trump.
Lula disse que os dois líderes também podem trabalhar juntos para combater a desigualdade e as mudanças climáticas.
Em comunicado conjunto divulgado após o encontro, os dois países informaram que os EUA "anunciaram sua intenção de trabalhar com o Congresso para fornecer recursos para programas de proteção e conservação da Amazônia brasileira, incluindo apoio inicial ao Fundo Amazônia".
Segundo uma fonte com conhecimento das negociações, os EUA planejam fazer uma doação inicial de 50 milhões de dólares para o Fundo, que já recebeu até o momento 1,3 bilhão de dólares. O fundo foi iniciado por Alemanha e Noruega para apoiar a proteção da floresta no país e projetos de desenvolvimento sustentável.
Duas autoridades tinham antecipado à Reuters antes da viagem de Lula a Washington que o governo Biden estava considerando se juntar ao Fundo Amazônia.
Segundo Lula, os EUA estão "convencidos" da necessidade de países ricos financiarem países em desenvolvimento com reservas florestais para preservação do meio ambiente.
"Temos vários países que temos que cuidar", afirmou o presidente em entrevista coletiva após a reunião, citando países da América do Sul que integram a região Amazônica.
Lula viajou a Washington com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que se reuniu com o enviado do clima de Biden, John Kerry. Os ministros de Relações Exteriores, da Fazenda e da Igualdade Racial também compuseram a delegação brasileira, entre outras autoridades.
O governo Lula fez da proteção da floresta amazônica uma prioridade e lançou esta semana uma operação policial contra garimpeiros que devastaram a reserva indígena yanomami.
Bolsonaro havia relaxado a proteção ambiental, encorajando o garimpo e a extração de madeira da Amazônia e permitindo que o desmatamento da região atingisse o patamar mais alto em 15 anos.
Na Casa Branca, Lula disse que a floresta amazônica havia sido “invadida” sob o governo anterior, acrescentando que ele estava comprometido a atingir o desmatamento zero até 2030.
UCRÂNIA
Biden e Lula, porém, não têm a mesma posição sobre a guerra na Ucrânia, dada a neutralidade do Brasil. Lula quer ver uma discussão de paz negociada com o envolvimento de mais atores globais neutros, tendo defendido um papel maior da China.
Lula defendeu sua decisão de não fornecer munição de artilharia que foi solicitada pela Alemanha para o apoio do Ocidente à defesa da Ucrânia. “Se eu mandar munição, entrei na guerra. Eu não quero entrar na guerra. Eu quero acabar com a guerra”, disse, mais cedo, em entrevista à CNN.
Na entrevista após a visita, ele disse que sentiu a "mesma preocupação" da parte de Biden para que se alcance o fim da guerra.
"Ninguém quer que essa guerra continue e é preciso que tenha parceiros capazes de construir um grupo de negociadores que os dois lados acreditem e que os dois lados possam compreender e terminar a guerra", afirmou.
A visita de Lula à Casa Branca foi realizada após uma reunião com o senador Bernie Sanders e parlamentares democratas. Sanders afirmou após a reunião que o momento é de solidariedade e cooperação internacionais para enfrentar desafios como a proteção ambiental e o combate à extrema direita.
(Reportagem adicional de Lisandra Paraguassu e Maria Carolina Marcello)