Por Humeyra Pamuk e David Brunnstrom
WASHINGTON (Reuters) - As capitais europeias comemoraram a visita do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em junho deste ano, com o principal diplomata do presidente Joe Biden contando piadas em francês em Paris, posando para selfies com jovens franceses e falando longamente sobre como revitalizar a relação transatlântica.
Foi uma lufada de ar fresco depois de quatro anos da administração "América em primeiro lugar" do ex-presidente Donald Trump, durante a qual os laços dos EUA com a Europa balançaram de uma crise a outra em meio a decisões políticas que muitas vezes surpreenderam os países europeus.
Porém, menos de três meses após a viagem de Blinken, Washington se encontra em uma crise diplomática sem precedentes com a França por causa de um acordo trilateral, que também inclui a Grã-Bretanha, para fornecer à Austrália submarinos nucleares e que acabou por derrubar um contrato de 40 bilhões de dólares em equipamentos de construção francesa.
A França reagiu com fúria, dizendo que o novo acordo foi feito sem seu conhecimento e recorrendo a uma linguagem quase inédita em pronunciamentos públicos entre aliados, chamando-o de "brutal" e de "uma facada nas costas".
Na sexta-feira, o país foi além e chamou de volta seus embaixadores em Washington e na Austrália, acusando o governo Biden de agir como Trump ao colocar Paris de lado.
Analistas dizem que a crise é mais do que comercial e de confiança, e mesmo que as autoridades americanas esperem que ela passe rapidamente, tem o potencial de causar danos duradouros à aliança com a França e a Europa e coloca em dúvida a frente única que Washington vem tentando forjar contra o poder cada vez maior da China.
Diplomatas franceses disseram que souberam do acordo apenas quando a notícia vazou na mídia australiana, horas antes do anúncio oficial na quarta-feira, embora o primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, tenha insistido que deixou claro para o presidente francês Emmanuel Macron em junho que poderia cancelar o acordo com a França.
De qualquer forma, da perspectiva francesa, o movimento dos EUA vai contra o que o governo Biden prometeu desde o fim da era Trump: um retorno ao multilateralismo e a uma cooperação estreita com parceiros e aliados, sendo a Europa um elemento importante disso.
"Isso faz os europeus perceberem que talvez algumas das políticas de Trump, além dos escândalos e tuítes, não foram uma aberração, mas sinalizaram um afastamento maior deles com relação à Europa", disse Benjamin Haddad, diretor no centro de pesquisa do Conselho Atlântico.
"Em um momento em que o governo Biden quer reunir os europeus em uma frente transatlântica comum para resistir à assertividade chinesa, por que não trazer o ator-chave da União Europeu na região?"
Alguns veem como mais uma das políticas desajeitadas do governo Biden após o fim caótico da intervenção americana de duas décadas no Afeganistão, sobre a qual as nações europeias reclamaram de não terem sido devidamente consultadas.
"Assim como ocorreu no Afeganistão, esta nova obra 'América em primeiro lugar' é mal concebida e ainda mais mal executada", disse um diplomata francês.