Por Anthony Boadle e Brendan O'Boyle
BRASÍLIA (Reuters) - Grupos indígenas, ambientalistas, colegas repórteres, familiares e amigos prestaram homenagem nesta quinta-feira ao jornalista britânico Dom Phillips e ao indigenista Bruno Pereira, que desapareceram na Amazônia há 11 dias e foram dados como mortos.
A polícia informou na noite de quarta-feira que havia recuperado restos humanos de um túmulo na selva, em local apontado por um pescador que confessou ter matado os dois homens. Os restos mortais das vítimas ainda passam por perícia para identificação.
O homem teria ameaçado Pereira por documentar a pesca ilegal no remoto Vale do Javari, localizado na fronteira com o Peru e a Colômbia, de acordo com a polícia.
Por meio de sua cobertura, Phillips, de 57 anos, se tornou uma voz internacional às agressões enfrentadas pela maior floresta tropical do mundo, que vem sendo ameaçada pela ação de madeireiros, caçadores, garimpeiros e pela pesca ilegal.
Pereira, de 41 anos, um defensor dos povos indígenas e ex-funcionário da Funai, viajava com Phillips enquanto pesquisava um livro sobre tentativas de salvar a floresta tropical quando ambos desapareceram, no domingo, 5 de junho.
"Agora podemos levá-los para casa e nos despedir com amor", disse a esposa de Phillips, Alessandra Sampaio. O fim da procura também marca o início de uma busca por justiça, acrescentou ela.
A associação indígena Univaja, do Vale do Javari, que procurou incansavelmente pelos dois homens, disse que o assassinato foi um "crime político" e pediu ao governo uma melhor proteção de suas terras. Os territórios indígenas têm se tornado cada vez mais vulneráveis a invasões, afetados por cortes no financiamento de agências e equipes sob o governo do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro.
A Survival International disse que Phillips e Pereira foram as mais recentes vítimas de uma guerra travada por Bolsonaro e seus aliados no setor agrícola brasileiro, que visa terras indígenas protegidas.
"As tentativas genocidas do governo de abrir territórios indígenas para invasores e recompensar criminosos com impunidade têm causado níveis vertiginosos de destruição de florestas e violência terrível contra aqueles que tentam detê-los", disse a diretora de advocacia da Survival International, Fiona Watson.
A Presidência não respondeu a um pedido de comentário. Mas Bolsonaro tuitou condolências às famílias das vítimas, sem mencionar seus nomes, respondendo a um post com nota da Funai que elogiava Pereira como um dos maiores especialistas brasileiros na proteção de tribos indígenas isoladas e recentemente contatadas.
Bolsonaro havia dito anteriormente que ambos estavam em uma "aventura" que não seria recomendada e que, por causa de suas histórias, "esse inglês (Phillips)" era "malvisto" na região.
Phillips era um repórter admirado no Brasil e um colaborador regular do The Guardian. Ele também escreveu para o The Washington Post, The New York Times e outros veículos durante seus 30 anos de carreira no jornalismo.
Phillips deixa esposa e irmãos mais novos Sian e Gareth Phillips.
"Dom amava a Amazônia e achava que poderia fazer a diferença real", disse sua irmã.
Nascido em 1964 em Bebington, Inglaterra, perto de Liverpool, Phillips "sempre quis ser escritor", disse sua irmã Sian.
"Ele sempre foi franco e confiante, então o jornalismo era uma carreira natural."
Inicialmente, seu jornalismo era voltado a dance music. Phillips cobriu a ascensão da cultura rave no Reino Unido nos anos 1990 pela revista cult de música Mixmag, da qual se tornou editor em 1993.
Em 2007, mudou-se para o Brasil para escrever um livro sobre a comercialização da dance music e iniciar uma nova carreira como correspondente internacional. Ele cobriu uma série de assuntos, de leilões de petróleo a protestos na Copa do Mundo, mas cada vez mais voltou seu foco para a Amazônia e as ameaças que a floresta tropical enfrenta.
Ele conheceu sua esposa Alessandra no Rio de Janeiro. Mais tarde, ambos se mudaram para Salvador. Phillips adorava cozinhar e saía regularmente para praticar stand-up paddle. Ele também se voluntariou para ensinar inglês a adolescentes carentes.
Em uma coletiva de imprensa em Brasília, em 2019, semanas antes dos incêndios consumirem partes da floresta tropical, Phillips perguntou a Bolsonaro sobre seu compromisso de proteger a região, uma cena que se tornou viral nos últimos dias.
"Você tem que entender que a Amazônia é do Brasil, não sua", retrucou o presidente.
Em carta, divulgada na semana passada, jornalistas e amigos descrevem Phillips como "um dos jornalistas estrangeiros mais perspicazes e atenciosos da América do Sul".