Por Maria Carolina Marcello e Anthony Boadle
BRASÍLIA (Reuters) -O governo federal iniciará nesta semana a segunda fase do conjunto de ações para retirar garimpeiros ilegais de terras do povo yanomami em Roraima com o começo da fase coercitiva, e os invasores estão buscando ajuda das próprias autoridades para deixar o local.
A fase coercitiva contará com o reforço da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança Pública, além das Forças Armadas, para a retirada dos cerca de 20 mil garimpeiros da região. A primeira fase, que já está em prática, envolve a interrupção dos transportes aéreo e fluvial na intenção de bloquear o abastecimento para grupos criminosos.
"Estamos nesse momento numa transição entre a fase 1 e a fase 2", afirmou o ministro da Justiça, Flávio Dino, projetando um aumento do fluxo de saída dos garimpeiros nos próximos dias, com aproximadamente 80% deles deixando o território indígena antes do inicio da segunda fase.
"É uma operação de alta complexidade. O uso da força sem planejamento poderia piorar a situação. Por isso, desejamos uma saída sem conflitos, mas isso não significa que quem sair pacificamente estará livre de responder por eventuais crimes cometidos", disse o ministro, destacando que os principais alvos das investigações são os agentes públicos responsáveis pela tragédia humanitária, aqueles que desviaram recursos públicos destinados à saúde e os que financiam os garimpos ilegais.
Os garimpeiros ilegais, acusados de serem os responsáveis por uma crise humanitária na maior reserva indígena do Brasil, estão pedindo às autoridades que os ajudem a sair, disseram um de seus líderes e o senador por Roraima Chico Rodrigues.
Ciente da iminência de uma operação militar para expulsá-los, o líder do movimento Garimpo é Legal, Jailson Mesquita, pediu que os garimpeiros sejam retirados do Território Yanomami ou que a zona de exclusão aérea seja suspensa para que possam embarcar em aviões de pequeno porte de pistas clandestinas dentro da reserva, onde a mineração é proibida pela Constituição.
Em vídeo nas redes sociais, Mesquita também pediu ao governo a desobstrução dos rios por 10 a 15 dias para que os garimpeiros deixem a reserva. "É importante proteger os indígenas, mas não podemos criminalizar os garimpeiros que buscam um sustento para sobreviver", afirmou.
O senador Chico Rodrigues disse à Reuters. “O que importa é que os garimpeiros saiam pacificamente e protegidos”.
Calcula-se que a região tenha sido invadida por mais de 20 mil garimpeiros que levaram doenças, desnutrição, abuso sexual, violência armada e mortes aos yanomamis, que têm uma população estimada em cerca de 28 mil.
"GARIMPO INFINITO"
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, que acompanha in loco os trabalhos do governo federal em Roraima para enfrentar a crise humanitária do povo yanomami, afirmou, ao relatar a situação, que o que é noticiado pela imprensa "ainda está longe de mostrar a realidade", referindo-se a uma forte presença de garimpeiros.
"É muito garimpo, é garimpo, é garimpo infinito ali.... Está todo tomado por garimpeiro", disse a ministra em entrevista, acrescentando que em alguns pontos há dificuldade em se diferenciar as comunidades indígenas das vilas de garimpeiros, diante da presença e a proximidade deles dos indígenas.
A ministra disse ainda que o clima na região é de tensão e que em duas localidades seu avião não pôde aterrissar por questões de segurança. Relatou, ainda, ter recebido a informação de dois assassinatos de indígenas na região de Parima, de difícil acesso, e outro na região de Homoxi.
"É uma situação urgência, emergência permanente", disse a ministra.
Sobre as dificuldades dos próprios garimpeiros em deixar a região, Guajajara confirmou ter recebido relato de "abuso de cobrança" para a retirada em aviões de pequeno porte. "Estão cobrando absurdos para retirar essas pessoas", afirmou.
Segundo ela, o plano em curso do governo federal envolve uma série de pastas e entidades e tem levado em conta diversos aspectos da crise.
A ministra também descartou a possibilidade de a retirada apressada dos garimpeiros prejudicar as investigações sobre os financiadores do garimpo ilegal em terras indígenas, lembrando que há envolvimento da polícia e da área de inteligência.
Guajajara também informou que entre as medidas a serem adotadas está a construção de um hospital de campanha na região do Surucucu, assim que uma pista de pouso for reformada. Segundo ela, todo o equipamento para as obras da pista já foi entregue, e a conclusão da reforma depende apenas das condições meteorológicas, podendo ocorrer em até 3 semanas.
O governo também disponibilizou, de acordo com a ministra, a necessária para a abertura de poços artesianos e a construção de cisternas para garantir o abastecimento de água potável.
O garimpo é um problema antigo na região. Quando a reserva foi demarcada e reconhecida pelo governo em 1992, as autoridades montaram uma operação para expulsar milhares de garimpeiros. No entanto, eles voltaram à área em números expressivos sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que defendia a mineração em terras indígenas e cujo governo fechou os olhos para invasões de reservas por garimpeiros e madeireiros ilegais.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou emergência de saúde para os yanomami e planejou uma força-tarefa envolvendo militares, policiais, órgãos de proteção do meio ambiente e dos povos indígenas.
(Reportagem de Anthony Boadle e Maria Carolina MarcelloEdição de Eduardo Simões)