Líder ianomâmi Davi Kopenawa vê tempos difíceis para os indígenas do Brasil

Publicado 31.08.2021, 13:22
© Reuters. 25/08/2021
REUTERS/Amanda Perobelli
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Por Amanda Perobelli e Anthony Boadle

BRASÍLIA (Reuters) - O líder ianomâmi Davi Kopenawa teme que o julgamento do chamado marco temporal para a demarcação de terras indígenas possa piorar um avanço de garimpeiros encorajado pelo presidente Jair Bolsonaro.

"As máquinas vão raspar a pele da Terra e feri-la", disse ele à Reuters em Brasília, onde milhares de indígenas se reuniram na semana passada para acompanhar o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).

Kopenawa disse que os garimpeiros ilegais, encorajados pela retórica de Bolsonaro, estão invadindo as terras ancestrais de seu povo em números crescentes e estão usando armas automáticas para intimidar os ianomâmis.

No passado, garimpeiros levaram gripe e malária, que mataram centenas de ianomâmis, mas hoje o perigo é a disseminação da Covid-19, que matou nove indígenas de seu povo até agora.

Na quarta-feira, o STF discutirá o chamado marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A tese, se vencedora, introduziria uma espécie de linha de corte para as demarcações.

Qualquer área somente seria passível de demarcação se ficar comprovado que os índios estavam lá até a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Do contrário, não haveria esse direito.

A decisão afetará 230 reivindicações de terras pendentes, muitas das quais fundamentais na luta contra o desmatamento na Amazônia. Uma derrota para os povos indígenas no tribunal abriria um precedente para a reversão dos direitos indígenas, em linha com o defendido por Bolsonaro e representantes do agronegócio.

"Nossa terra indígena está homologada e registrada e assinada pelo governo federal em 1992, mas eles querem mexer e reduzir o tamanho porque Bolsonaro diz que é muito grande e tem pouco índio", disse o líder ianomâmi, de 66 anos.

Os cerca de 29 mil ianomâmis vivem em 360 aldeias distribuídas ao longo dos 96.650 quilômetros quadrados de sua reserva.

Porta-voz dos ianomâmis de renome internacional, Kopenawa é autor de "A Queda do Céu", um relato poético de sua iniciação como um xamã, seus primeiros encontros com forasteiros e um apelo para salvar a cultura de seu povo e a floresta tropical.

“Bolsonaro quer explorar e permitir o garimpo e mineração, tirar madeira, criar boi, plantar soja. Mas o povo ianomâmi não quer isso”, disse Kopenawa.

A mineração significaria derrubar árvores para abrir estradas e levar maquinário pesado para "raspar a terra para fazer buracos e extrair pedras preciosas, ouro, diamantes, cassiterita, nióbio e urânio".

Bolsonaro afirma repetidamente que os indígenas representam menos de 1% dos brasileiros e vivem em mais de 13% do território do país, acumulando riquezas minerais que precisam ser exploradas.

Críticos afirmam que os esforços de Bolsonaro para legalizar a mineração em terras protegidas têm incentivado o avanço de garimpeiros ilegais, que invadem a reserva ianomâmi em barcos a motor que sobem os rios ou em aviões que pousam em pistas clandestinas na floresta.

Uma onda de invasões na década de 1980 foi marcada por garimpeiros oferecendo facões, redes, roupas, sabão e até armas e bebidas alcoólicas para fazer amizade com os ianomâmis, disse Kopenawa. Eles perseguiram as mulheres e espalharam doenças mortais, como gripe e malária.

Hoje o perigo é a disseminação da Covid-19, disse ele. Após críticas internacionais de que os indígenas do Brasil foram deixados à mercê do vírus, o governo começou a vacinar as comunidades, e 84% dos ianomâmis que deveriam receber a primeira dose foram vacinados.

Um inimigo igualmente perigoso é o mercúrio usado pelos garimpeiros para separar o ouro da terra. O metal tóxico está poluindo rios e envenenando os peixes dos quais os ianomâmis e outros indígenas dependem para se alimentar.

© Reuters. 25/08/2021
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"A terra fica ferida por anos e anos com o mercúrio, e não tem remédio para curar a terra", disse Kopenawa, que reclama que o governo pouco ou nada fez para expulsar os garimpeiros, apesar de uma ordem do STF para proteger os indígenas.

“Eles querem acabar com a gente e tomar nossa terra. Temos que continuar lutando para deixar a terra para nossos netos, para que gerações futuras possam continuar com nossos costumes, nossa língua, nosso canto”, disse.

O Palácio do Planalto não respondeu a um pedido de comentário.

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