Mendonça defende democracia, Estado laico e diz que STF não é lugar para manifestação religiosa

Publicado 01.12.2021, 10:49
Atualizado 01.12.2021, 14:20
© Reuters. André Mendonça, então ministro da Justiça, participa de cerimônia no Palácio do Planalto
17/12/2020
REUTERS/Ueslei Marcelino

Por Eduardo Simões

(Reuters) -O ex-ministro da Justiça e da Advocacia-Geral da União André Mendonça, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu nesta quarta-feira durante sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado a democracia, o Estado laico e disse que não é adequado fazer manifestações religiosas públicas no STF.

Na sabatina, Mendonça também afirmou ter uma relação "republicana" com Bolsonaro, que declarou que, com a indicação do ex-ministro, buscava colocar um integrante "terrivelmente evangélico" no Supremo. Bolsonaro também disse que havia pedido a Mendonça que, caso fosse aprovado, começasse uma sessão da corte por semana com uma oração.

"Entendo não haver espaço para manifestações públicas religiosas durante sessões do Supremo Tribunal Federal", disse Mendonça, que é pastor evangélico, durante a sabatina.

"Na Suprema Corte defenderei a laicidade estatal e a liberdade de religião, inclusive dos que não professam qualquer crença", acrescentou ele. Mendonça disse ainda ter explicado a Bolsonaro que entendia que a corte não seria local adequado para este tipo de manifestação.

O indicado ao STF fez também uma defesa enfática da democracia e do Estado Democrático de Direito e afirmou conhecer a diferença entre atuar como ministro de um governo e magistrado da Suprema Corte.

"Sei a distinção dos papéis de ministro de Estado e de ministro do Supremo Tribunal Federal", afirmou.

"Me comprometo com a democracia e o Estado Democrático de Direito. A democracia representa a maior conquista da humanidade", afirmou. "Reafirmo meu irrestrito compromisso com o Estado Democrático de Direito... Me comprometo com o Estado laico."

O ex-chefe da AGU disse que o STF não deve legislar e prometeu, caso tenha a indicação aprovada, respeitar a independência entre os Poderes, argumentando que o Judiciário deve agir "sem ativismo ou interferências indevidas" nos demais Poderes.

Mendonça também fez uma defesa da decisão de acionar a Polícia Federal para que abrisse inquéritos com base na Lei de Segurança Nacional, da época da ditadura militar, para apurar críticas públicas feitas a Bolsonaro, inclusive por jornalistas.

Ele argumentou que pela LSN, então vigente, cabia ao ministro da Justiça solicitar abertura de inquérito caso o presidente se sentisse ofendido em sua honra e que, se não cumprisse com essa obrigação, poderia incorrer em prevaricação.

"Sentindo-se o presidente da República ofendido em sua honra por determinado fato, o que significa a análise individual de a pessoa por si própria sentir-se subjetivamente ofendida em sua honra, devia o ministro da Justiça instar a Polícia Federal para apurar o caso, sob pena de, em não o fazendo, incidir em crime de prevaricação", disse.

"Em suma, minha conduta sempre se deu em estrita obediência ao dever legal e em função do sentimento de ofensa à honra da pessoa ofendida, mas jamais com o intuito de perseguir ou intimidar", afirmou, acrescentando ainda que a lei então vigente tinha constitucionalidade reconhecida pelo STF.

Mendonça, que na AGU e na Controladoria-Geral da União atuou na elaboração de acordos de leniência com empresas investigadas na operação Lava Jato, disse aos senadores que não de pode "criminalizar a política", repetindo um termo usado com frequência por críticos da Lava Jato.

"Todo mundo aqui é contra a corrupção, lógico. Mas acho que há mais consensos que nós poderemos estabelecer. Não se pode criminalizar a política", afirmou. "Eu não posso criminalizar a administração pública como um todo."

Mendonça disse ainda que uma delação premiada --instrumento amplamente usado na Lava Jato-- não basta para formar uma convicção e que "os fins não justificam os meios" durante um processo criminal.

"Entendo que uma delação premiada não é elemento de prova. Eu não posso basear uma convicção com base em uma delação. Delação não é acusação. Dito isso, eu entendo que o combate à corrupção tem de ser feito respeitando-se direitos e garantias individuais. Os fins não justificam os meios. Nós precisamos respeitar a política", afirmou.

PANDEMIA

Em mais um contraste com falas frequentes de Bolsonaro, Mendonça elogiou as vacinas contra a Covid-19, atribuindo a elas a redução dos índices da pandemia no Brasil, e classificou como "valoroso" o trabalho realizado pela CPI da Covid no Senado.

"Eu entendo que o trabalho da CPI, o valoroso trabalho da CPI deve ser levado a sério por todas as instituições do sistema de Justiça. Todas! É preciso dar uma resposta ao resultado do trabalho da CPI por parte das instituições que compõem o sistema de Justiça, de forma responsável, de forma correta e tempestiva", disse.

© Reuters. André Mendonça, então ministro da Justiça, participa de cerimônia no Palácio do Planalto
17/12/2020
REUTERS/Ueslei Marcelino

Frequentemente e sem fundamento científico, Bolsonaro questiona a eficácia das vacinas. Ele afirma não ter se vacinado. O presidente também ataca constantemente a CPI da Covid e afirma que a Comissão Parlamentar de Inquérito, que investigou, entre outras coisas, suspeitas de irregularidades na compra de vacinas, não produziu nada de relevante.

Após a sabatina, a indicação de Mendonça ao Supremo será analisada pelo plenário da CCJ e, posteriormente, pelo plenário do Senado. Se aprovado pelos senadores, ele assumirá a vaga aberta com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello neste ano.

(Por Eduardo Simões; edição de Isabel Versiani e Maria Pia Palermo)

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