Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deve manter o comando centralizado do inquérito dos atos antidemocráticos mesmo após ter ampliado o escopo da investigação após a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes no domingo por bolsonaristas radicais e as novas ameaças de atos extremistas país afora, disseram à Reuters duas fontes.
Desde o domingo, Moraes determinou o inédito afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), a prisão preventiva do ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e ex-secretário de Segurança Pública da capital, Anderson Torres, e medidas como a identificação pessoal de milhares de pessoas, com bloqueio de contas e apreensão de ônibus de envolvidos nos atos e no financiamento das ações dos vândalos na capital.
Na quarta, em nova decisão, o ministro do STF determinou que autoridades federais e estaduais adotem medidas para impedir o bloqueio de vias e rodovias e a invasão de prédios públicos ante a convocação pelas redes sociais de novos atos antidemocráticos em todo o país por parte de apoiadores radicais de Bolsonaro.
O magistrado também recebeu uma série de pedidos como a inclusão dos novos fatos nas investigações que envolvem Bolsonaro e também que seja incluído no rol de foragidos da Justiça por estar nos Estados Unidos. Esses dois pedidos foram apresentados pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Segundo uma das fontes, o ministro do STF --um dos principais alvos das críticas de Bolsonaro e de seus apoiadores-- não vai querer dividir o andamento das investigações. Ele deve seguir com a relatoria do inquérito.
Uma indicação de que Moraes vai centralizar o caso é que as audiências de custódia dos presos pelos atos de vandalismo no domingo serão realizadas por juízes federais e estaduais, sob a supervisão da Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Contudo, as informações das audiências serão repassadas pelo CNJ para Moraes que decidirá sobre a necessidade de manutenção de cada um dos presos.
BOLSONARO E RESPALDO COLEGIADO
De acordo com as duas fontes do STF, o envolvimento direto ou indireto de Bolsonaro na ação do domingo será investigado. Ainda que tenha perdido foro privilegiado ao deixar o Palácio do Planalto, o ex-presidente poderá continuar a ser investigado pelo Supremo. Há precedentes --como o processo do mensalão -- para se manter pessoas sem prerrogativa de foro na corte por conexão com os fatos, por exemplo.
A segunda fonte do Supremo também disse que o caso permanecerá com Moraes até porque há muitos ministros que têm restrições a conduzir o "inqueritão".
Ainda assim, decisões de Moraes, que Bolsonaro já criticou como "ilegais", têm sido publicamente respaldadas pelos colegas do Supremo. Nesta quarta, por exemplo, os ministros formaram maioria para confirmar, em sessão virtual extraordinária, o afastamento de Ibaneis e a prisão de Anderson Torres. Na quinta, o plenário deve novamente confirmar determinação de Moraes da véspera de impedir novos bloqueios em vias e rodovias.
Incomum, a decisão de Moraes de afastar Ibaneis foi tomada por conta própria, isto é, sem ter sido provocado por órgãos de investigação ou a pedido de parlamentares. Em agosto passado, em outra medida alvo de controvérsia, o ministro do STF ordenou uma operação contra empresários bolsonaristas que teriam defendido um golpe de Estado em um grupo de WhatsApp após requisição da Polícia Federal, que se baseou apenas para fazer a solicitação em reportagem do portal Metrópoles.
Ainda segundo essa fonte no Supremo, um dos questionamentos é sobre até quando o inquérito vai ficar aberto, mas ela reconhece que ele se tornou uma "ferramenta de investigação" para apurar ameaças e crimes contra ministros do Supremo e Poderes da República diante do que considera inação de atuação da Procuradoria-Geral da República.
O fato de Moraes ter buscado o plenário para referendar suas medidas mais duras pode ser lido como um indicativo de que ele está inclinado a dividir o peso político de decisões com seus pares em momentos-chave.
A busca do colegiado é vista com bons olhos pelos estudiosos do Supremo, como Thomaz Pereira, da FGV-Rio. O endosso de ministros --que têm formações diferentes e foram indicados por presidentes diferentes-- a uma mesma decisão é tido com uma "defesa institucional" da corte.
Em entrevista à Reuters na segunda-feira, o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo, disse que Bolsonaro tem responsabilidade política por não ter desestimulado atos de violência, que ele descreveu como tentativa de golpe, e destacou que autoridades vão investigar eventuais responsabilidades jurídicas dos envolvidos.
"As autoridades da investigação vão se debruçar sobre isso e vão tirar as suas conclusões. Certamente haverá mensagens, certamente quebras de sigilo, tem uma série de comunicações e acho que as investigações vão prosseguir em busca de responsáveis", disse Mendes quando perguntado sobre um eventual papel de Bolsonaro nos eventos.
Em entrevista coletiva no início da semana, o ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que a Polícia Federal vai abrir três inquéritos para apurar os atos que resultaram na depredação dos prédios do Supremo, do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto. Segundo ele, há várias possibilidades de enquadramento dos envolvidos, dentre elas os crimes de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado de patrimônio público e de patrimônio tombado, associação criminosa, e lesões corporais.
A tendência é que a supervisão desses novos inquéritos fique a cargo de Alexandre de Moraes, segundo uma fonte.