(Reuters) -O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso determinou nesta segunda-feira a apuração de possível participação de integrantes do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro na prática de supostos crimes contra comunidades indígenas, incluindo genocídio, em meio a um crise humanitária enfrentada pelos yanomami.
A decisão de Barroso é endereçada à Procuradoria-Geral da República (PGR), ao Ministério Público Militar (MPM) e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJ), além da Superintendência Regional da Polícia Federal de Roraima, para que investiguem a atuação de autoridades do governo do ex-presidente.
No despacho, que tramita em sigilo, também são apontados os possíveis crimes de desobediência, quebra de segredo de Justiça, e delitos ambientais relacionados à vida, à saúde e à segurança de comunidades indígenas, de acordo com nota do STF.
A decisão ainda reitera determinação para que garimpeiros sejam expulsos das Terras Indígenas Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapó, Arariboia, Mundurucu e Trincheira Bacajá.
Mais cedo, o Ministério Público Federal (MPF) informou que instaurou inquérito para apurar a responsabilidade do Estado brasileiro na crise humanitária enfrentada pelos yanomami e também para investigar em que medida agentes públicos atuaram no descumprimento de ordem judiciais e na desassistência à saúde dos indígenas.
O MPF entende que há um vasto acervo de evidências para a imediata responsabilização do Estado, segundo comunicado da instituição. “Tal acervo revela um panorama claro de generalizada desassistência à saúde, sistemático descumprimento de ordens judiciais para repressão a invasores do território indígena e reiteradas ações de agentes estatais aptas a estimular violações à vida e à saúde do povo yanomami”, diz o documento que determina a instauração do inquérito civil.
A decisão de abrir inquérito foi tomada depois de o Supremo afirmar na semana passada que detectou que o governo Bolsonaro descumpriu decisões judiciais em relação ao plano de proteção da Terra Indígena Yanomami e indícios de prestação de informações falsas à Justiça, acrescentando que haverá processo legal para punição caso sejam identificados os responsáveis.
Nos quatro anos do governo Bolsonaro, 570 crianças yanomami morreram de doenças curáveis, principalmente desnutrição, mas também de malária, diarreia e malformações causadas pelo mercúrio nos rios em decorrência do garimpo, informou a plataforma de jornalismo amazônico Sumaúma, com base em dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação (LAI).
A reserva é invadida por garimpeiros ilegais há décadas, mas as incursões se multiplicaram depois que Bolsonaro tomou posse, em 2019, prometendo permitir a mineração em terras indígenas e se oferecendo para legalizar o garimpo.
O Ministério da Saúde declarou neste mês estado de emergência de saúde pública no Território Yanomami, a maior reserva indígena do país, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou recentemente a Casa de Saúde Indígena Yanomami, em Boa Vista, e prometeu que o governo vai "civilizar" o tratamento aos povos indígenas, além de acabar com o garimpo ilegal.
Nesta segunda, Lula se reuniu com diversos ministros e outras autoridades para tratar de medidas de ajuda aos yanomami e determinou que o governo adote medidas para interromper o transporte aéreo e fluvial que abastece o garimpo ilegal.
"O governo brasileiro vai tirar e acabar com o garimpo de qualquer terra indígena a partir de agora", disse o presidente, que acusou Bolsonaro de incentivar o garimpo ilegal.
De acordo com um relatório do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania divulgado também nesta segunda, o governo Bolsonaro "ignorou o povo yanomami" e "agiu com descaso e ausência de medidas em proteção aos povos indígenas".
"A deturpação do uso da máquina pública, utilizada apenas para propagar discursos de ódio, fez com que o governo anterior ignorasse a morte de um yanomami em 9 de abril de 2020, vítima da pandemia de Covid-19. Ao invés de investigar as condições sanitárias e de contaminação dos povos originários, reduziu o problema a uma questão que deveria ser resolvida apenas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), evidenciando a falta de empatia e sensibilidade com os indígenas", disse o ministério em comunicado sobre o relatório, que será enviado às autoridades competentes para investigações.
Segundo o documento, o então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos minimizou denúncias de violações de direitos humanos causadas pelos garimpeiros na comunidade yanomami. "Nenhuma visita foi feita ao território yanomami mesmo diante de denúncias e recomendações em prol da dignidade humana dos povos originários", acrescentou a pasta.
(Por Pedro Fonseca, no Rio de JaneiroReportagem adicional de Maria Carolina Marcello, em BrasíliaEdição de Alexandre Caverni)