Por Lisandra Paraguassu e Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) -O discurso duro e cheio de cobranças do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na abertura do ano legislativo nesta segunda-feira, tem como pano de fundo insatisfação com emendas parlamentares e mira na eleição do seu sucessor para a presidência da Casa, disseram à Reuters fontes que acompanham o embate mais recente entre o parlamentar e o Palácio do Planalto.
Lira chegou nesta segunda a Brasília já disposto a mandar recados para o Executivo, e fez chegar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que quer a troca do ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, responsável pela relação do governo com o Congresso.
A razão apresentada por Lira a interlocutores é que o ministro não estaria cumprindo acordos feitos com os parlamentares em relação a pagamento de emendas parlamentares, especialmente devido ao veto presidencial a 5,6 bilhões de reais em emendas de comissão -- que Lira e outros líderes da Casa devem trabalhar para derrubar, mesmo com o governo prometendo uma recomposição futura.
Essa rubrica substituiu, de certa forma, o chamado "orçamento secreto", sobre o qual o presidente da Câmara tinha poder de decisão e definia quais parlamentares receberiam os recursos.
Em seu discurso na abertura do ano legislativo, Lira cobrou o cumprimento de acordos, sem citar quais. "Não fomos eleitos para carimbar. Não é isso que o povo brasileiro espera de nós. Espera-se, isso sim, independência e somatório de esforços, sempre em favor do país", disse.
Também entre as irritações do presidente da Câmara estaria a medida provisória da reoneração, enviada pelo governo depois do Congresso ter aprovado a extensão da desoneração sobre a folha de pagamento no final do ano passado.
De acordo com uma fonte próxima ao presidente da Casa, Lira reclama que Padilha faz um "telefone sem fio" entre a Câmara e Lula, dizendo uma coisa de um lado e outra ao presidente. No discurso, Lira disse que não é possível "retroceder" com as desonerações sem se fazer uma ampla discussão com o Congresso.
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, o que chegou ao Planalto é que a insatisfação do presidente da Câmara passa principalmente pelo fato de que o balcão de distribuição de emendas saiu do Congresso para o Planalto. Hoje é o Planalto que negocia a maioria do pagamento das emendas com os parlamentares, o que tira poder direto do presidente da Câmara.
"O orçamento é de todos e para todos os brasileiros e brasileiras: não é e nem pode ser de autoria exclusiva do Poder Executivo e muito menos de uma burocracia técnica que, apesar de seu preparo, não duvido, não foi eleita para escolher as prioridades da nação. E não gasta a sola de sapato percorrendo os pequenos municípios brasileiros como nós, parlamentares", disse Lira.
Em seu último ano na presidência da Casa, o deputado mira fazer seu sucessor, e o controle sobre as emendas ajuda a manter uma base fiel. O escolhido por Lira é o deputado Elmar Nascimento (União-BA), um nome que não tem muita simpatia do Palácio do Planalto por sua ligação anterior com o bolsonarismo, apesar de seu partido estar hoje na base do governo.
Elmar, no entanto, tem outro concorrente dentro do centrão, o atual vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP) -- que conta com mais simpatia no Planalto, apesar de Lula ter deixado claro que não irá se intrometer na eleição da mesa diretora da Câmara.
Na última sexta-feira, Lula levou Pereira com ele para participar do anúncio de investimentos no porto de Santos. O deputado é presidente do Republicanos, partido do ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, e do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e deu espaço para que Pereira discursasse, dizendo que ele estava lá no lugar de Lira, que estava de férias.
Depois do afago de Lula a Pereira, Lira não teria sido tímido ao fazer duas exigências ao Executivo: a troca de Padilha e um sinal de apoio a Nascimento, de acordo com uma fonte palaciana.
"CONCORDÂNCIA"
Essa não é a primeira vez que Lira pede a saída de Padilha do cargo. No início do governo a relação entre ambos não era boa, e só melhorou quando o Planalto estabeleceu um fluxo de pagamento de emendas. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, passou então a ser o alvo das reclamações de Lira por conta do atraso em nomeações para cargos no governo.
Agora, Lira escanteou Padilha e tem tido como interlocutor principal o mesmo Rui Costa, de quem também já havia pedido a demissão. Como nas vezes anteriores, no entanto, não há sinais de que Lula irá atender o pedido do presidente da Câmara.
Em entrevista depois do discurso de Lira, Rui Costa minimizou as falas do presidente da Câmara.
"Não achei preocupante. Ele fala em nome do Parlamento e é importante que ele se manifeste e nós haveremos sempre de encontrar no diálogo, no entendimento, na conversa", disse.
"Nós vamos ajudar a construir pontes, a manter pontes e tem uma concordância entre a fala deles e nosso entendimento, quando ele disse que errará quem apostar no confronto do Legislativo com o Executivo, então isso para mim é uma sinalização extremamente positiva", afirmou.
Mais cedo, ainda antes do discurso de Lira, Padilha também havia negado qualquer crise com o Congresso e destacou que, em 2023, o governo liberou mais que o dobro de emendas do que foi feito em 2022, chegando a 34,5 bilhões, 99% do previsto.
(Reportagem de Lisandra Paraguassu e Ricardo BritoReportagem adicional de Maria Carolina MarcelloEdição de Pedro Fonseca)