Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - Em um discurso de quase 40 minutos em sua cerimônia de posse, o novo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, deixou claro o fim da política externa do governo de Jair Bolsonaro e prometeu a volta do Brasil ao protagonismo internacional.
Na presença do ex-chanceler Carlos França, Vieira apontou que o Brasil retomará sua tradicional política de direitos humanos, voltará ao protagonismo nos fóruns internacionais e voltará a investir nas relações regionais.
“Estivemos alijados do cenário internacional nos últimos anos por força de uma visão ideológica limitante. Com bom senso e muito trabalho e dedicação, reconquistaremos nosso lugar”, afirmou o novo ministro.
Nos últimos quatro anos, o Brasil se afastou de posições internacionais tradicionais, que vão desde a defesa da solução de dois Estados para a situação da Palestina à defesa de direitos das mulheres e de minorias e da ação a favor de imigrantes.
Em fóruns internacionais e na Organização das Nações Unidas (ONU), o país se alinhou a nações como a Arábia Saudita, por exemplo, contra políticas de direitos reprodutivos. Votou, pela primeira vez, com os Estados Unidos e contra a condenação ao embargo a Cuba. Abandonou os fórum regionais e a prioridade na relação com países como a Argentina e criou problemas nas relações com China, França e Alemanha, entre outros.
Posições que Vieira deixou claro que serão abandonadas com a volta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder.
“Teremos de recompor relações bilaterais danificadas e retomar o protagonismo construtivo nos foros e organismos internacionais onde temos uma contribuição singular a oferecer", afirmou.
"O Brasil será um parceiro confiável, um ator incontornável, uma liderança e uma força positiva em favor de um mundo mais equilibrado, racional, justo e pacífico”, acrescentou. “O Brasil realinhará a política externa em direitos humanos aos parâmetros da Constituição Federal e do direito internacional dos direitos humanos, sobretudo na promoção da igualdade de gênero; no combate à discriminação e à violência em função de orientação sexual e identidade de gênero; na promoção da igualdade racial e o combate ao racismo e a xenofobia; e na defesa dos direitos dos povos indígenas."
Logo após o assumir o cargo, Vieira instaurou três mudanças em áreas que tinham sido relegadas a segundo plano no governo anterior: recriou as secretarias de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, que fora rebaixada a um departamento; da África e Oriente Médio, que havia sido unida à da Europa; e a de Serviço Consular, colocada como um departamento da Secretaria de Assuntos Políticos.
São três áreas colocadas como prioritárias para o novo ministro. Vieira, que indicou pela primeira vez uma mulher para a Secretaria-Geral do Itamaraty, a embaixadora Maria Laura da Rocha, tocou também em um ponto sensível para a gestão da chancelaria: a pouca quantidade de negros e mulheres em geral na carreira --elas representam apenas 27% dos diplomatas-- e menos ainda nos cargos mais altos.
O próprio ministro foi criticado por, em sua primeira passagem como chanceler, ter promovido poucas mulheres. Agora, se comprometeu a adotar políticas de maior inclusão de negros e mulheres na carreira.
“A sub-representação crônica de pessoas negras e mulheres distancia o perfil da diplomacia brasileira da sociedade que representa. Para reverter progressivamente esse quadro, instruirei a Secretaria de Estado a elaborar uma política de diversidade e inclusão no Itamaraty”, disse.
IMPEACHMENT
Mauro Vieira, de 71 anos, volta ao topo da carreira diplomática quase sete ano depois de deixar o cargo com o impeachment da então presidente Dilma Rousseff em maio de 2016.
O embaixador foi o terceiro ministro das Relações Exteriores de Dilma, e citou o impedimento de Dilma em seu discurso na volta ao comando do Itamaraty.
“Não é comum que a nós seja dada uma segunda oportunidade de voltar a fazer algo que foi brusca, involuntariamente interrompido. Em maio de 2016, deixei o cargo a que hoje regresso, em meio a um doloroso processo de impeachment que fraturou o país e deixou marcas profundas”, lembrou.
“Queria reiterar a gratidão que devo à presidenta Dilma Rousseff, primeira mulher a ocupar a Presidência do nosso país, pela confiança que em mim depositou naquele período, lamentando que não tenhamos podido concluir, na política externa, as tarefas a que nos havíamos proposto.”
Em um salão lotado de convidados e, especialmente, diplomatas, Mauro Vieira foi aplaudido de pé por um Itamaraty que, nos últimos quatro anos, sobreviveu praticamente alijado das principais decisões de governo, executando uma política externa que terminou por afastar o país do centro do cenário político internacional.
“A boa notícia, como tem dito o presidente Lula, é que o Brasil está de volta. Existe uma clara demanda do mundo pelo Brasil”, afirmou.
(Edição de Pedro Fonseca)