Por Rodrigo Viga Gaier
RIO DE JANEIRO (Reuters) - Uma operação da Polícia Civil contra o tráfico de drogas deixou ao menos 25 mortos na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, nesta quinta-feira, como resultado de um intenso tiroteio que durou várias horas e deixou feridos dentro de um vagão do metrô.
Entre os mortos está um policial, enquanto outros dois agentes ficaram feridos, de acordo com a polícia. Todos os outros mortos seriam envolvidos com o crime organizado na comunidade, segundo a corporação.
O número de vítimas fatais da operação, que contou com veículos blindados e helicópteros, é o maior em uma única ação policial no Rio, que sofre há décadas com a violência em ações de combate ao tráfico de drogas.
“Esse é o maior número de mortos em uma operação da polícia do Rio, superando os 19 no Complexo do Alemão em 2007. Só que naquela não perdemos ninguém. Agora, um policial morreu, que valia muito pra nós“, disse à Reuters o delegado Ronaldo Oliveira.
Imagens aéreas de emissoras de TV mostraram suspeitos fugindo da ação policial pulando entre casas da comunidade em busca de uma rota de fuga, enquanto os policiais eram obrigados e desembarcar de veículos blindados e caminhar pelas ruas da favela mediante inúmeras barricadas.
No tiroteio, balas perdidas atingiram uma composição do metrô de superfície que passava perto da comunidade e dois passageiros foram atingidos por disparos, ficando feridos sem maior gravidade, de acordo com o Corpo de Bombeiros.
Segundo a polícia, helicópteros da corporação ajudaram a localizar uma espécie de quartel-general da facção criminosa que atua no Jacarezinho, que é a maior do Estado do Rio. Fontes da polícia disseram que entre os mortos estariam lideranças do narcotráfico.
Em resposta à operação da polícia no Rio, Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, defendeu uma investigação rápida e independente.
“O número de mortos nessa operação policial é condenável, assim como o fato de, mais uma vez, esse massacre ter ocorrido em uma favela. O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro deve conduzir uma investigação rápida, exaustiva, independente e eficaz sobre essas atrocidades, seguindo os padrões internacionais, para que os agentes do estado que ordenaram, cometeram ou participaram deste massacre sejam responsabilizados", disse.
O Ministério Público informou que vai investigar a operação.
As investigações que antecederam a ação desta quinta-feira começaram há 10 meses e foram motivadas por denúncia de que menores de idade estariam sendo cooptados para atuar no tráfico de drogas na comunidade. Ao menos seis suspeitos foram presos, sendo que três morreram depois, e um arsenal foi apreendido pela polícia, incluindo 16 pistolas, 12 granadas, uma bala de canhão ativa e milhares de munições.
“Apreendemos uma arma de guerra ativa“, afirmou o diretor da Polícia Civil, delegado Rodrigo Oliveira.
DECISÃO DO STF
Segundo a polícia, a operação ocorreu dentro dos parâmetros determinados no ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para ações em favelas do Rio de Janeiro durante o período da pandemia.
“A operação começou dentro dos protocolos previstos na decisão do STF e não há o que comemorar a grande quantidade de mortos, e não há como confortar a morte do nosso policial”, disse o diretor da polícia, que criticou a decisão do Supremo.
“A polícia sempre se fará presente para defender a população de bem, não há localidade onde não vamos dentro das normas legais", afirmou. "O tráfico está mais fortalecido, quanto menos você atua e menos se faz presente, mais o tráfico expande seu território”.
Após a incursão policial, o ministro do STF Edson Fachin decidiu levar para o julgamento do plenário virtual da Corte entre os dias 21 e 28 de maio uma ação que discute a letalidade das forças policiais do Rio de Janeiro.
O plenário do STF já havia confirmado uma determinação de Fachin de limitar a realização de incursões policiais em comunidades do Estado enquanto perdurar o estado de calamidade pública decorrente da pandemia.
A decisão anterior tinha determinado que as operações fossem restritas aos casos excepcionais, informadas e acompanhadas pelo Ministério Público. No julgamento deste mês, o PSB, partido autor da ação, a Defensoria Pública e entidades da sociedade civil querem esclarecer a amplitude da decisão anterior e cobram do governo do Rio a elaboração do plano para redução da letalidade policial.
Apenas no primeiro trimestre deste ano, a polícia do Rio de Janeiro matou 453 pessoas e ao menos 4 policiais morreram em ações policiais, mesmo com a decisão do Supremo, de acordo com a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW).
"A Human Rights Watch tem conduzido diversas pesquisas que revelam falhas graves nas investigações de mortes causadas pela polícia no Rio. O Ministério Público deve fazer todas as diligências para conduzir uma investigação com respeito à legislação e protocolos do Brasil e aos parâmetros internacionais", disse a HRW em comunicado.
O Governo do Estado do Rio de Janeiro lamentou as mortes em nota, mas disse que a ação foi "pautada e orientada por um longo e detalhado trabalho de inteligência e investigação" e que "é lastimável que um território tão vasto seja dominado por uma facção criminosa que usa armas de guerra para oprimir milhares de famílias".
(Reportagem adicional de Ricardo Brito, em Brasília)