Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) entrou com uma ação na Justiça Federal para anular inquérito instaurado pela Polícia Federal, a pedido da Fundação Nacional do Índio (Funai), contra a associação e sua líder Sônia Guajajara, informou a entidade em nota nesta segunda-feira.
Segundo a Apib, a Funai acusa a organização de difamar o governo federal com a websérie "Maracá - Emergência Indígena", que "denuncia violações de direitos cometidas contra os povos indígenas no contexto da pandemia da Covid-19", afirmou a entidade.
A associação destacou que denúncias nesse sentido já teriam sido "reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal" em uma ação, numa referência a um processo em que se determinou ao governo adotar medidas para preservar a saúde dos índios em razão da crise sanitária.
Duas importantes lideranças indígenas foram intimadas pela PF a prestar depoimento, a pedido da Funai, por supostamente terem feito declarações críticas ao governo federal, de acordo com os alvos das intimações e entidades defensoras dos indígenas.
"A perseguição desse governo é inaceitável e absurda! Eles não nos calarão!", disse Sônia Guajajara, coordenadora-executiva da Apib, no Twitter, na sexta-feira.
Almir Suruí, coordenador da Associação Metareilá, em Rondônia, foi outra liderança indígena intimada a depor, de acordo com o Instituto Socioambiental. Em uma postagem no Twitter no domingo à noite, ao lado de uma foto de Sônia, Almir publicou: "Vamos à luta".
Procurado pela Reuters nesta segunda-feira, ele disse pelo telefone celular que estava na Polícia Federal.
Os pedidos de apuração da PF teriam partido da Fundação Nacional do Índio (Funai), segundo as entidades defensoras dos indígenas.
Vinculada ao Ministério da Justiça, a Funai tem como função coordenar e implementar as políticas de proteção aos povos isolados e recém-contatados, além de ter como papel políticas voltadas ao desenvolvimento sustentável das populações indígenas.
Procurada pela Reuters, a Funai afirmou que "não comenta fatos que estão sob apuração em âmbito policial, o que poderia prejudicar o andamento dos trabalhos" de investigação.
"Cumpre destacar que a Funai, enquanto instituição pública do Estado brasileiro, deve estrita obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade, não compactuando com qualquer postura supostamente ilícita, uma vez que sua função é defender o interesse público", afirmou.
"Por fim, a fundação ressalta que a apuração de fatos supostamente ilícitos reafirma o seu compromisso com a indisponibilidade do interesse público, tendo em vista que todos os cidadãos, indígenas e não indígenas, estão submetidos à observância da lei brasileira".
Também procurada, a PF disse que "não se manifesta sobre investigações em andamento".
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) publicou nota em solidariedade às duas lideranças indígenas.
"Em mais um ato de perseguição política e autoritarismo, o (des) governo do presidente Bolsonaro tenta criminalizar o movimento indígena e suas lideranças", afirmou.
"Manifestamos nosso repúdio e desprezo com mais esse ataque ao movimento indígena, que vem incansavelmente cumprindo sua missão de denunciar e defender os direitos dos povos indígenas no Brasil. Repudiamos qualquer tentativa de calar vozes das nossas lideranças através de ameaças, intimidações e manifestações racistas. Sobretudo quando esses ataques vêm por parte do órgão federal -- Funai, na pessoa de seu presidente, que deveria defender os direitos e promover a nossa autonomia e liberdade de expressão".
(Reportagem adicional de Lisandra Paraguassu)