A afirmação pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) neste domingo, 27, de que a inteligência da PM interceptou supostas mensagens do Primeiro Comando da Capital (PCC) incentivando votos no candidato Guilherme Boulos (PSOL) à Prefeitura foi o último ato de uma campanha eleitoral permeada pela presença da facção até o fim.
Tarcísio não apresentou provas ou se aprofundou sobre o assunto. Em resposta, Boulos afirmou que a frase do governador era uma "declaração mentirosa". Na sequência, o candidato do PSOL ingressou na Justiça pedindo a inelegibilidade de Tarcísio. Especialistas em direito eleitoral criticaram Tarcísio ao mesmo tempo em que o governo federal o contestava.
Era pouco antes do meio dia quando o governador concedeu a entrevista ao lado do prefeito Ricardo Nunes (MDB), após votar no Colégio Miguel de Cervantes, no Morumbi, na zona sul. Questionado por jornalistas - a informação havia sido divulgada pelo site Metrópoles -, Tarcísio confirmou a existência das três mensagens apreendidas pela polícia, duas das quais aconselhariam o voto em Boulos.
À tarde, o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Luiz Sarrubbo, rebateu o governador. É no sistema prisional federal que estão os integrantes da Sintonia Final, a cúpula do PCC. Sarrubbo disse que os sistemas de inteligência do Ministério da Justiça não detectaram "qualquer orientação, de qualquer facção, para qualquer candidato de capitais".
Processo
Em resposta a Tarcísio, Boulos afirmou que "o candidato que ele apoia (Ricardo Nunes) é que botou o PCC na Prefeitura de São Paulo". Boulos classificou a fala como absurda: "É o laudo falso do segundo turno (se referindo a um documento falso usado contra ele por Pablo Marçal no primeiro turno). É extremamente grave."
Ele ajuizou uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral na 1.ª Zona Eleitoral de São Paulo. Nela, Boulos acusou Tarcísio de usar das prerrogativas de função e da autoridade como governador para "difundir acusações prejudiciais à campanha dos peticionários durante o horário de votação". Segundo Boulos, Tarcísio cometeu abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação social. Ele pediu ainda a cassação do registro de candidatura ou o diploma de Nunes, por supostamente serem beneficiados pelas declarações do governador.
Procurada, a campanha de Nunes informou que não ia se manifestar sobre o caso. A Secretaria da Segurança Pública informou que o Sistema de Inteligência da PM interceptou a circulação de mensagens atribuídas a uma facção criminosa determinando a escolha de candidatos a prefeitura em Sumaré, em Santos e na capital. "A Polícia Civil investiga a origem das mensagens."
O Estadão teve acesso às cartas. Em uma delas, há citação de que a facção não faz acordo com partido político, mas "se possível pedirem para seus familiares se podem apoiar votando na Marta (Suplicy) e no Boulos do PT". Consultado, o desembargador Silmar Fernandes, presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, afirmou que não recebeu nenhuma informação do governador nem da Secretaria de Segurança sobre as supostas mensagens do PCC.
O professor Fernando Neisser, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, qualificou a ação de Tarcísio como "grave". "Não é a polícia do governador que investiga crimes eleitorais, é a Polícia Federal, exatamente para evitar o uso político das polícias. Se isso tiver ocorrido, (os bilhetes) a atuação correta é encaminhar para a autoridade competente e não guardar isso durante esse tempo e apresentar no dia da eleição."
Antecedentes
A ação do PCC na eleição foi um dos principais temas da campanha deste ano no Estado. Candidatos em diversas cidades usaram o assunto para atingir seus adversários. Em São Paulo, os principais alvos foram os candidatos Pablo Marçal (PRTB) e Nunes. No primeiro debate da campanha, na TV Bandeirantes, o então candidato do PSDB, José Luiz Datena, tentou acusar o prefeito de ser leniente no combate ao PCC.
No centro da polêmica, estava a Operação Fim da Linha, que mostrara a captura de parte do transporte público da cidade pela facção. O caso foi usado ainda por Boulos para atacar Nunes, enquanto o prefeito dizia que a infiltração do PCC no transporte começara no tempo em que a petista Marta Suplicy governara a cidade (2001-2004). Ao mesmo tempo que as acusações entre os candidatos se sucediam, a Justiça Eleitoral reunia informações para controlar a infiltração do crime no pleito e a polícia e o Ministério Público levavam adiante investigações sobre a ação da facção.
Com base nesses dados, o Ministério Público Eleitoral prepara ações para impedir a diplomação de 12 candidatos eleitos no Estado. São dois prefeitos - entre os quais um de uma grande cidade do interior - e dez vereadores por suspeita de envolvimento com o crime organizado. Além deles, outros 57 candidaturas suspeitas foram identificadas pela polícia. A ligação de políticos com o crime organizado foi alvo ainda da Operação Decurio, da Polícia Civil. Ela flagrou uma fintech que movimentou R$ 8,1 bilhões e teria lavado dinheiro do PCC. Também apurou um esquema para financiar candidaturas apoiadas pela facção.
Além disso, houve investigações que envolveram integrantes do PRTB, o partido de Pablo Marçal, acusados de vender cocaína em troca de carros de luxo, conforme revelou o Estadão. Marçal afirmou que os indiciados deviam se explicar.
A sombra do PCC e de outras organizações também chegou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Após uma reunião com os procuradores regionais eleitorais, a ministra Cármen Lúcia, presidente da Corte, disse que o cenário era bastante grave, pois o crime organizado tentava influenciar as eleições. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.