Quase metade dos documentos públicos no processo no Supremo Tribunal Federal (STF) que discute o artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI) rejeitam a ampliação da responsabilidade de plataformas digitais por conteúdos publicados por usuários. De acordo com um levantamento do Reglab encomendado pelo Google (NASDAQ:GOOGL), 48% das manifestações enviadas ao Supremo foram favoráveis ao artigo 19, que estabelece que as plataformas só são obrigadas a remover conteúdos ilegais após ordem judicial. Esse artigo será julgado pela Corte nesta quarta-feira, 27.
Outros 20% defenderam a inconstitucionalidade do artigo, e 25% se manifestaram a favor de uma interpretação conforme - ou seja, soluções que apresentem um meio-termo, como o estabelecimento de mais exceções ao artigo 19. Hoje, as plataformas já são obrigadas a remover conteúdos de direito autoral e fotos íntimas sem consentimento antes mesmo de ordem judicial, assim que notificadas pela vítima. Uma das possibilidades é o Supremo definir mais hipóteses em que as plataformas devem agir, como em casos de conteúdos que incitem violência ou atos antidemocráticos.
O centro de pesquisa especializado em tecnologia e regulação mapeou os principais argumentos utilizados e os interesses dos agentes envolvidos no debate. Ao todo, foram analisados 87 documentos públicos, incluindo 46 transcrições de falas feitas nas audiências públicas.
O setor de tecnologia se posicionou integralmente a favor da constitucionalidade, de acordo com o estudo. Na sociedade civil e na academia, cerca de metade (59%) foi favorável à constitucionalidade do artigo 19. O restante se dividiu entre a inconstitucionalidade e a interpretação conforme. Entre as entidades públicas, o Executivo se alinhou a favor da interpretação conforme, enquanto Senado e Câmara defenderam a manutenção das regras atuais.
O estudo também mapeou 62 argumentos diferentes. O que mais apareceu foi: "complexidade de julgamentos sobre liberdade de expressão", "plataformas já moderam conteúdo", "inconstitucionalidade aumenta censura prévia", "individualização de condutas de acordo com a atividade" e "precedentes internacionais". Os argumentos que discutem a legitimidade das escolhas do Congresso ao aprovar o MCI e a liberdade de expressão constituem 30,9% da amostra.
O tema também mobilizou atores que defendem o direito do consumidor. O Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), por exemplo, defende que o artigo 19 do MCI é constitucional, mas ressalta que os direitos dos usuários estão protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor. "Não se está impedindo o consumidor de obter a reparação em face de defeito do serviço de provedores de aplicação. ... Isso porque esses provedores permanecem sob o regime de responsabilidade objetiva e solidária com relação aos seus serviços", argumentou a entidade.
O Marco Civil da Internet data de 2014 e disciplina o uso da internet no Brasil. Ministros do STF têm defendido publicamente a necessidade de atualização da lei, que já completou dez anos. O artigo 19 busca assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura por parte das plataformas digitais, mas é apontado como insuficiente para proteger direitos no ambiente digital. O tema chegou a ser debatido no Congresso, por meio do PL das Fake News, mas o projeto não avançou.