Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - A ordem entre governistas era a de passar um ar de normalidade no Congresso e tocar o andamento de matérias, mas o que se viu nesta terça-feira na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), no Senado, ficou longe do usual, quando uma sessão tensa terminou em tumulto entre aliados e oposição, forçando a suspensão da reunião sem que ocorresse a leitura formal do parecer da reforma trabalhista.
Se por um lado, o governo conseguiu em última instância o que queria --o parecer foi dado como lido após tentativas frustradas de leitura por parte do relator da matéria, Ricardo Ferraço (PSDB-ES)--, em outra frente a oposição fez barulho e mostrou que o ambiente não está nada tranquilo.
"O governo não tem condição de colocar a reforma trabalhista nesta Casa”, disse o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), na comissão. “Faço um apelo ao senador Ferraço, isso é uma manobra, estão usando a CAE para dizer que o Temer tem força.”
Por isso mesmo, a oposição lançou mão de uma série de atitudes para evitar a leitura do parecer --desde a apresentação de uma questão de ordem, até o ponto de levantarem-se de seus lugares e cercarem a mesa, onde estavam sentados Ferraço e o presidente da CAE, Tasso Jereissati (PSDB-CE), chegando ao ponto de tirar o microfone deles.
“Não podendo ganhar no voto, senadores e senadoras quiseram ganhar no braço, no grito”, disse senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), já no plenário do Senado, após a suspensão da CAE por conta do tumulto. “Aqui só existe uma arma: a palavra.”
O bate-boca teve início após a derrota, por apenas dois votos, de um pedido da oposição para adiar a leitura do parecer de Ferraço, prevista para esta terça.
A partir daí, diante de insistência de governistas de impor uma agenda positiva e dar andamento à proposta, de modo a criar um clima de normalidade no Legislativo, senadores da oposição passaram a se manifestar contra a leitura do parecer.
Os parlamentares protagonizaram bate-boca e troca de ofensas, enquanto representantes da sociedade civil presentes na comissão, passaram a gritar palavras de ordem como “Fora Temer”, “tchau, querido” e “tchau, bandido”.
O relator, que considerou a postura da oposição nesta terça “primitiva, de quem não tem argumento”, avisou que tentará colocar seu parecer em votação na CAE na próxima terça-feira.
A data estava prevista no cronograma que havia anunciado na semana passada, mas após a divulgação de delações envolvendo inclusive o presidente Michel Temer, denúncia que abalou o mundo político nos últimos dias, Ferraço suspendeu o cronograma.
Nesta semana, no entanto, voltou atrás, e retomou a intenção inicial de apresentar seu parecer à CAE. Num primeiro momento, porém, disse que o debate ditaria o andamento da proposta.
PROPOSTAS DE VETOS
Como já havia adiantado, Ferraço propôs no relatório, cujo conteúdo está disponível no site do Senado, que o presidente Michel Temer vete alguns pontos da proposta, para regulamentá-los posteriormente via medida provisória.
O relator e o governo escolheram esse caminho para evitar alterações na proposta que forçariam seu retorno à Câmara dos Deputados, quando a intenção é aprová-la o quanto antes.
Dentre os pontos que Ferraço sugere os vetos está a permissão para que grávidas e lactantes trabalhem em locais considerados insalubres, desde que passem por avaliação de um médico. O relator recomenda que esse ponto não seja sancionado.
O relatório também pede o veto de um dispositivo que revoga artigo de lei trabalhista que prevê um prazo obrigatório de 15 minutos à mulher entre a jornada regular e o trabalho extra.
A possibilidade de acordo individual estabelecer a chamada jornada 12 por 36 também está no rol de sugestões de vetos, assim como a criação do trabalho intermitente, e a regulação dos representantes dos empregados em empresas com mais de 200 funcionários.
Ferraço diz ainda, no parecer, não considerar madura a discussão sobre a prevalência do acordado sobre o legislado em relação ao intervalo da intrajornada.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Ângelo Fabiano Farias da Costa, disse na Comissão de Direito Humanos do Senado, após consulta formal à Organização Internacional do Trabalho (OIT), que o Brasil poderá ser condenado em foros internacionais se a reforma trabalhista for aprovada como veio da Câmara.