Por Ricardo Brito e Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - Surpreendidos por mais uma crise atingindo Brasília, parlamentares admitem que o caso da suposta colaboração entre o então juiz Sergio Moro --hoje ministro da Justiça-- e os procuradores da operação Lava Jato pode tumultuar o Congresso em meio à tramitação da reforma da Previdência, mas garantem que o projeto é importante e será blindado.
O presidente da comissão especial que analisa a reforma, Marcelo Ramos (PL-AM), disse à Reuters nesta segunda-feira que certamente o caso envolvendo Moro "gera tumulto", mas defendeu, mesmo assim, que é preciso manter o calendário.
"Na terça-feira estarei com a bancada da oposição e sentirei até onde contaminará (o calendário da Previdência)", disse ele, que está em viagem ao Maranhão.
Mais cedo, em postagem no Twitter, Ramos havia ressaltado a necessidade de não se misturar as duas questões.
"Os fatos envolvendo o ministro Moro, se confirmados, atentam contra o Estado Democrático de Direito, mas temos a responsabilidade de não deixar que contamine o andamento da reforma da Previdência, que seguirá o calendário definido pela comissão”, escreveu no Twitter.
O site Intercept Brasil publicou no domingo uma série de reportagens com base no que diz serem arquivos recebidos de uma fonte anônima mostrando suposta colaboração entre Moro, juiz responsável pela Lava Jato em Curitiba à época das mensagens, e o coordenador da força-tarefa da operação Lava Jato no Ministério Público Federal, Deltan Dallagnol.
Os procuradores disseram que tiveram seus celulares invadidos e admitiram que não conhecem a extensão do ataque cibernético, mas negaram quaisquer irregularidades.
Uma liderança partidária ouvida pela Reuters classificou as informações publicadas pelo Intercept como "preocupantes e gravíssimas", mas também afirmou não acreditar que isso influencie a tramitação da reforma, mesmo que a oposição consiga, como ameaça, aprovar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
"Não acho que vá atrasar. A reforma é prioridade. A oposição já votaria contra mesmo", disse.
No Planalto, o tom é de cautela e uma fonte de alto escalão ouvida pela Reuters avaliou que ainda é cedo para dizer qual impacto a nova crise poderá ter na tramitação das reformas.
"Ainda não sei avaliar. Vai depender do que vier por aí", disse. "A estratégia é o silêncio. Silenciar e avaliar", completou a fonte.
Em Manaus, onde teve uma agenda oficial nesta segunda, Moro minimizou a alegada troca de mensagens e procurou destacar que os procuradores foram alvos de um ataque cibernético. Disse ainda não ser capaz de afirmar se os diálogos são autênticos, já que teriam acontecido há anos.
"Eu não vi nada demais nas mensagens, ali foi uma invasão criminosa de celulares de procuradores, para mim é um fato bastante grave ter havido essa invasão e essa divulgação. Quanto ao conteúdo, no que diz respeito à minha pessoa, não vi nada demais", disse o ministro a jornalistas na capital amazonense.
O presidente Jair Bolsonaro ainda não se manifestou sobre o caso, mas o vice-presidente Hamilton Mourão destacou a confiança do presidente em seu ministro da Justiça e também buscou minimizar o vazamento.
Lembrou ainda que as decisões de Moro quando juiz da Lava Jato foram confirmadas em instâncias superiores e que informações privadas tiradas de contexto podem levar a qualquer tipo de ilação.
"Então não vejo nada demais nisso aí", disse o vice-presidente.
Ainda assim, a revelação das supostas conversas de Moro e dos procuradores da Lava Jato fizeram com que a oposição --e mesmo deputados de outros partidos-- levantassem suspeitas sobre a isenção do então juiz e do trabalho dos procuradores. Apesar de minoritária, a oposição promete fazer barulho.
A bancada do PSOL na Câmara anunciou que apresentará requerimentos para convocar Moro a depor no plenário da Casa e na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O partido também disse que representará contra Dallagnol no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Em nota, o PT disse que as supostas mensagens divulgadas pelo Intercept indicam que a Lava Jato mentiu para condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e influenciou na eleição presidencial de 2018.
"Não há máscara capaz de esconder a verdadeira face da Lava Jato, que se comprova ter sido uma operação política mal disfarçada como ação de combate à corrupção. As mensagens somam-se à série de arbitrariedades cometidas ao longo do processo e que afetaram não somente Lula e o PT, mas o Estado de direito", diz a nota.
SEMANA DECISIVA
A elevação do ruído na cena política vem em um momento em que o governo precisa do Congresso trabalhando com afinco.
Nesta semana, além da previsão de apresentação do relatório da reforma da Previdência na comissão especial, o que já promete embates acalorados devido a divergências sobre o tema, o governo ainda precisa aprovar o projeto de lei do Congresso Nacional que lhe dá crédito suplementar de 248,9 bilhões de reais para pagar despesas fora da chamada regra de ouro.
Segundo o Planalto, se o crédito suplementar não for aprovado até quarta-feira, o governo terá que suspender o pagamento dos Benefício de Prestação Continuada (BPC) até a semana que vem e até o final do mês, o pagamento do Bolsa Família e de aposentadorias.
Uma primeira tentativa de aprovar a proposta ainda na Comissão Mista de Orçamento (CMO), na semana passada, terminou sem acordo. O projeto deverá ser analisada na terça-feira e, após ser aprovado na CMO, precisará receber o aval de uma sessão conjunta do Congresso Nacional.
(Reportagem adicional de Eduardo Simões, em São Paulo)