Por Alexandre Caverni
SÃO PAULO (Reuters) - O presidente Michel Temer usou durante o período de interinidade suas qualidades de articulação política, paciência e humildade, que aliados diziam capacitá-lo como o nome "adequado para o momento". Em algumas situações, no entanto, a busca incessante pela conciliação foi vista como fraqueza e agora Temer terá que provar que não é alguém que cede sempre que pressionado.
"É o político perfeito da atualidade, adequado para esse momento... conciliador, paciente", disse à Reuters um cacique do PMDB pouco antes do início da interinidade.
Um ex-ministro da agora ex-presidente Dilma Rousseff foi além. "É muito respeitoso e atencioso nas conversas, tem um traço forte de humildade -se oferece para ir encontrar seu interlocutor, em vez de recebê-lo."
Essa característica ficou clara não só pelas dezenas de parlamentares que recebeu em audiência como presidente interino como também em seus deslocamentos, como a recente reunião que participou na residência do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com líderes partidários e ministros.
Deputado federal por seis mandatos, Michel Miguel Elias Temer Lulia presidiu ele mesmo a Câmara em três biênios --1997/1998, 1999/2000 e 2009/2010, o que lhe deu uma enorme experiência parlamentar e de negociação.
Os aliados de Temer dizem que sua longa carreira política atuando em todo o espectro ideológico -presidiu a Câmara tanto no governo Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, como no de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT- faz dele um líder forte, mas ao mesmo tempo pacificador, para uma transição.
"Ele é um político bom, experiente", disse Moreira Franco, um dos homens fortes do novo governo. "Seus valores incluem a moderação, a prudência e a sabedoria... ele trabalha mais como um pacificador do que como alguém que cria conflitos."
Apesar das disputas políticas ferozes e variadas transcorridas na Câmara, Temer era conhecido por se manter acima das refregas. Aos 75 anos, esse paulista de Tietê raramente ergue a voz, tem fama de jamais dizer palavrões e se abstém da gesticulação e da teatralidade quase obrigatórias a que seus pares recorrem em debates.
Um exemplo dessa característica, segundo um outro cacique peemedebista, foi quando assumiu a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, pela segunda vez, no início de 1993, pouco depois do massacre do Carandiru.
"Temer assumiu para pacificar a polícia", disse o peemedebista. "Ao mesmo tempo que é conciliador, faz valer sua autoridade."
Essa capacidade de fazer valer sua autoridade será muito testada daqui para frente. Durante a interinidade, em vários momentos Temer e seu governo fizeram concessões em negociações ou recuaram de decisões no que foi visto por críticos, e mesmo por aliados, como uma fragilidade.
As concessões e recuos foram justificados como prova de democracia e de diálogo. Mas aliados também diziam que só a efetivação definitiva de Temer no cargo daria a ele a força necessária para atuar com mais firmeza, especialmente nas negociações com o Congresso.
MESÓCLISE EQUILIBRISTA
Com baixa aprovação nas pesquisas de opinião realizadas durante a interinidade, Temer não é exatamente um político popular, jamais tendo sido eleito para um cargo majoritário, excluindo o de vice-presidente.
As campanhas presidenciais no Brasil, no entanto, tornam o papel do candidato a vice bastante periférico, a ponto de muitas vezes os eleitores nem saberem quem é o companheiro de chapa de seu candidato a presidente.
A interinidade trouxe a oportunidade de ser conhecido por uma parcela mais ampla da população. Mais circunspecto, por natureza, Temer procurou adotar um pouco mais de informalidade em seus discursos, mas sem abrir mão da língua culta. No primeiro deles, trouxe de volta a mesóclise, colocação pronomial de uso bastante raro no discurso oral, que acabou dividindo as atenções com o conteúdo político e econômico de sua fala.
Ao garantir que as reformas que iria propor não alterariam os direitos adquiridos, afirmou: "Como menos fosse sê-lo-ia pela minha formação democrática e pela minha formação jurídica."
Mais do que o português casto, como presidente da República Temer terá que recorrer a uma importante habilidade construída ao longo de muitos anos à frente do maior partido do país: equilibrista.
Chamado por muitos como uma "federação de partidos", o PMDB tem vários grupos regionais de peso e importância quase equivalentes que tornam praticamente inútil o esforço por uma unidade completa, mas que requerem ainda assim um comando nacional para equilibrar os diferentes interesses.
Presidente do partido desde 2001, Temer terá que usar toda a capacidade que desenvolveu nesses anos na complexa missão de manter o equilíbrio entre um necessário e doloroso ajuste fiscal, a manutenção de programas sociais, a condução de reformas estruturais e respostas a demandas dos mais variados setores, especialmente do Parlamento, peça-chave nisso tudo.
DEIXANDO A DISCRIÇÃO DE LADO
Temer parecia ter atingido o pico de sua carreira com a eleição como vice-presidente da República em 2010, na chapa encabeça por Dilma. Isso mudou conforme os ventos do impeachment se transformaram na tempestade que derrubou a petista.
Nesse processo, deixou de lado uma das características pelas quais é mais conhecido, a discrição. Conforme o movimento pelo impedimento da presidente ganhava força, Temer não se contentou com uma postura passiva, simplesmente afastando-se dela e esperando que a situação se resolvesse, de um modo ou de outro, sem seu envolvimento.
Acabou trabalhando ativamente para regimentar forças favoráveis ao impeachment, negociando num primeiro momento com deputados e líderes partidários, tendo um papel que, quase certamente, foi chave no desfecho que acabou acontecendo.
Antes mesmo da confirmação de Temer como companheiro de Dilma para a eleição de 2010, o historiador Luiz Felipe de Alencastro já apontava a "situação paradoxal" que seria uma chapa formada pelos dois.
"Uma presidenciável desprovida de voo próprio na esfera nacional, sem nunca ter tido um voto na vida, estará coligada a um vice que maneja todas as alavancas do Congresso e da máquina partidária peemedebista", disse Alencastro em texto publicado em 2009. O título do artigo não poderia ter sido mais premonitório: "Os riscos do vice-presidencialismo".
Agora o peemedebista assume definitivamente o principal papel no palco central do teatro político nacional.
POESIA
Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor na mesma área pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é autor de livros de direito e de uma coletânea de poesias intitulada "Anônima Intimidade".
Casado com Marcela Temer, quase 43 anos mais jovem, tem um filho com ela, três de seu primeiro casamento e mais um de outra relação.