Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - Muito tempo antes de tomar posse nesta segunda-feira, a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, deu um recado taxativo a seus escolhidos para compor sua equipe: não tenham ou peçam acesso a qualquer tipo de informação sigilosa na Procuradoria-Geral da República (PGR) antes de forem efetivados nos cargos.
A postura discreta, segundo uma fonte relatou à Reuters, tinha por objetivo blindar a nova equipe de eventuais acusações de vazamento de informações, uma das condutas que críticos do seu antecessor e desafeto, Rodrigo Janot, acusavam-no.
Para aliados de Dodge, a medida indica também um rigor que ela terá com as investigações. A ordem da nova procuradora-geral, com reconhecida experiência na área criminal, é buscar efetividade nas apurações, seja para condenar ou para absolver. A falta da conclusão de investigações é outro motivo de crítica, principalmente da classe política, feita a Janot.
A goiana Raquel Elias Ferreira Dodge, de 56 anos, assumiu nesta segunda-feira o cargo por pelo menos dois anos com a missão de resgatar a imagem tisnada da instituição sob o comando de Janot (principalmente após a reviravolta na delação da J&F) e dar continuidade às investigações dos escândalos de corrupção contra autoridades sem perseguir, como acusam os adversários do antecessor, ou desacelerar, como desconfiam críticos dela.
Na cerimônia de posse, Dodge foi econômica nas palavras. Afirmou em três momentos que era preciso observar o "devido processo legal" e em outras três buscar a "harmonia entre os Poderes". Mencionou sete vezes a palavra corrupção, mas não nominou a operação Lava Jato.
Coincidentemente estavam ao lado dela na mesa da solenidade três investigados por Janot: o presidente Michel Temer, denunciado pela segunda vez pelo antecessor e que a indicou ao cargo, mesmo tendo sido a segunda mais votada pela categoria em eleição interna; e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), ambos alvo de inquéritos conduzidos pela PGR.
Mesmo sem a nova procuradora-geral ter falado da Lava Jato, o senador Randolfe (Rede-AP) ficou satisfeito com o discurso de posse dela no combate à corrupção.
"Recado precisava ser claro", disse Dodge ao senador na fila de cumprimentos, segundo relato feito por ele à Reuters. "Ficou claríssimo", respondeu Randolfe. Ele disse esperar uma "ampliação" no papel desempenhado pelo MPF, tendo protagonismos em outras áreas também, como a questão dos direitos humanos, exaltada por ela no pronunciamento.
SEM CAÇA ÀS BRUXAS
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, um dos apoiadores de Raquel Dodge, afirmou que ela "certamente" vai revisar os procedimentos adotados por Janot a fim de, nas palavras dele, evitar "erros e equívocos".
Contudo, segundo dois auxiliares de Dodge afirmaram à Reuters, a expectativa é que a nova procuradora-geral da República faça uma análise dos casos que estavam sendo conduzidos pela equipe de Janot. Por ora, dizem, não está no radar qualquer espécie de "caça às bruxas" na eventual revisão de procedimentos.
"Em qualquer lugar que a gente assume, temos de ter um tempo para conhecer os casos", disse a procuradora da República Mara Elisa de Oliveira, escolhida para ser chefe-de-gabinete de Dodge.
"Ninguém mexe no trabalho de um colega", afirmou o procurador regional Alexandre Camanho, ex-presidente da associação dos procuradores (ANPR) e que será o secretário-geral Jurídico da PGR.
Raquel Dodge deverá nos próximos dias tomar decisões que mostrará com maior clareza seu perfil de atuação. Um deles é definir a permanência de integrantes do grupo da Lava Jato que atua perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Ela comprometeu-se publicamente em garantir a continuidade deles, mas no fim de semana foi divulgada pela imprensa uma minuta da portaria que dava 30 dias para a saída da atual equipe.
A assessoria de imprensa dela disse que a decisão não estava fechada e que na tarde desta segunda-feira haveria uma reunião para definir a questão --a previsão é que alguns nomes fiquem para fazer uma transição.
Outro ponto é se a nova chefe do MPF vai concordar com o pedido da defesa de Temer para suspender o envio da segunda denúncia contra o presidente à Câmara --o julgamento está previsto para ocorrer na próxima quarta-feira.
A nova chefe do Ministério Público Federal (MPF) foi criticada no início de agosto após a revelação de que havia se reunido em um encontro fora da agenda com Temer. Oficialmente, ela alegou ter ido ao encontro dele no Palácio do Jaburu à noite para definir a cerimônia de posse dela, uma vez que era preciso conciliar com a agenda de Temer, que tinha compromissos internacionais no mesmo dia.
Na ocasião, aliados dela minimizaram o episódio e destacam que ela não conseguiu ser recebida pessoalmente por Temer e que precisava resolver essa pendência.