O Tribunal de Contas da União (TCU) vota nesta quarta-feira, 7, se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisará ou não devolver um relógio que recebeu de presente em 2005. A expectativa é que os ministros se dividam em até três blocos com entendimentos distintos, considerando que a decisão pode impactar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), investigado no inquérito das joias sauditas, caso revelado pelo Estadão.
O relógio em questão é um Cartier Santos Dumont feito de ouro branco 18 quilates e prata 750, e foi recebido por Lula em uma viagem à França há 19 anos, durante seu primeiro mandato como presidente. A peça é avaliada em R$ 60 mil.
Como devem votar os ministros
O julgamento é movido a partir de uma representação do deputado bolsonarista Sanderson (PL-RS), apresentada em agosto de 2023, após Bolsonaro passar a ser investigado no caso das joias, que resultou no indiciamento do ex-presidente pela Polícia Federal (PF) - que concluiu que R$ 6,8 milhões em presentes foram desviados da União pelo esquema. O parlamentar faz referência a outro relógio, um Piaget, avaliado em R$ 80 mil, mas que não consta na lista de presentes oficiais e que, portanto, não foi avaliado pela área técnica.
A depender do resultado, a decisão do Tribunal nesta quarta pode virar munição política para lulistas ou para bolsonaristas, em um cenário em que, se decidido que Lula pode ficar com o presente, o caso de Bolsonaro poderá ter o entendimento afetado. Conforme apurou o Estadão, ainda há mistério sobre como votarão os ministros considerados bolsonaristas (ou do Centrão), considerando a questão envolvendo o ex-mandatário e a polarização entre eles.
Voto para ficar com o relógio
O relator da ação, ministro Antonio Anastasia, deve seguir a área técnica da Corte, que concluiu em maio que Lula pode ficar com o relógio. O entendimento da Unidade de Auditoria Especializada em Governança e Inovação (AudGovernança) do TCU foi a de que presentes de alto valor comercial, mesmo que sejam considerados itens personalíssimos, devem ser devolvidos à União. Porém, no caso de Lula, como o item foi recebido há 19 anos, a área técnica avaliou que o entendimento não pode ser aplicado de forma retroativa.
Voto para todos devolverem os presentes
Já no entendimento do ministro Walton Alencar, que deve divergir do relator, todos os ex-presidentes devem devolver os presentes considerados de luxo, incluindo Lula e Bolsonaro.
O entendimento do TCU de que presentes luxuosos, mesmo personalíssimos, devem ser devolvidos à União é de 2016. Em 2023, o tribunal indicou a devolução de relógios recebidos por ministros do ex-presidente Bolsonaro, por meio de um acórdão.
Voto que beneficie Lula e Bolsonaro
O voto dos ministros três ligados ao bolsonarismo ou ao Centrão - Jorge Oliveira, Augusto Nardes e Jhonatan de Jesus - ainda é uma incógnita, mas há uma tendência de que divirjam do relator e do outro magistrado, abrindo um terceiro entendimento - passível de livrar Lula agora, para também beneficiar Bolsonaro em breve, no caso em que, além da incorporação ao patrimônio privado, estão envolvidos supostos crimes de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro.
Relógio já foi alvo de processo
O atual presidente já foi alvo de uma auditoria do TCU em 2016 sobre a devolução de presentes, quando o tribunal determinou que ele entregasse mais de 500 itens que haviam sido incorporados a seu patrimônio privado.
Na ocasião, o tribunal firmou o entendimento de que somente os itens de caráter personalíssimo (medalhas, por exemplo) ou de consumo próprio (roupas, perfumes, comidas) devem permanecer com os presidentes. Em seu voto, o ministro Alencar acrescentou que presentes valiosos pertencem à União, mas o Cartier não foi devolvido. O acórdão foi considerado cumprido por duas vezes, em 2019 e em 2020, o que justifica, segundo a área técnica, o entendimento não ser aplicado a Lula no julgamento desta quarta-feira.
Segundo o TCU, o relógio foi dado a Lula pela própria fabricante de relógios, não pelo governo francês, durante as comemorações do "Ano do Brasil na França". Lula disse durante transmissão ao vivo em julho do ano passado que o relógio foi presente do então presidente da França, Jacques Chirac. "Você sabe que esse relógio ficou perdido 25 anos? Eu não sabia onde estava. Agora, que eu fui mudar, fui abrir a gaveta, e ele estava lá", contou.