O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) vem pagando benefícios extintos ou suspensos aos juízes e desembargadores, mesmo sem autorização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que administra o Poder Judiciário.
Em um procedimento sigiloso, o tribunal restabeleceu o adicional por tempo de serviço, conhecido popularmente como quinquênio. As parcelas vêm sendo depositadas desde janeiro a título de "gratificação adicional".
O benefício, extinto há quase 20 anos, acarreta um aumento automático de 5% nos vencimentos a cada cinco anos e não entra no cálculo do teto remuneratório. O pagamento é retroativo, ou seja, os magistrados goianos que começaram a carreira antes da mudança entrar em vigor estão recebendo agora o passivo em aberto desde 2006.
Ao Estadão, o Tribunal de Justiça informou que "cumpre a normatização vigente para pagamento dos vencimentos e vantagens dos membros da magistratura e de seu corpo funcional, com rigoroso cumprimento da legislação e decisões judiciais e administrativas vigentes, tudo com ampla e normal publicação".
Nesta terça, 29, o Conselho Nacional de Justiça divulgou o relatório 'Justiça em números 2024', balanço que revela os gastos com o Poder Judiciário ao longo de 2023 - um total de R$ 132,8 bilhões. As despesas com pessoal consomem 90,2% do orçamento do Poder Judiciário, segundo o CNJ.
O Tribunal de Justiça de Goiás guarda posição de destaque no relatório. Cada magistrado goiano custa em média R$ 60,2 mil por mês. O levantamento, no entanto, não aborda especificamente o montante liberado aos magistrados a título de retroativos de adicional por tempo de serviço.
Consultado pela reportagem do Estadão sobre o valor dos quinquênios, o tribunal de Goiás não compartilhou a informação nem justificou por que não informaria o montante.
"Em relação ao pagamento do subsídio da magistratura, com adicionamento de vantagens pessoais, como férias, 13º salário, o que ocorre em relação à parcela referente à irredutibilidade vencimental, com observância do teto constitucional", afirma a Corte.
Goiás não é um caso isolado. Os tribunais do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul também autorizaram pagamentos retroativos dos quinquênios com a justificativa de que esse é um "direito adquirido" dos juízes.
Uma resolução editada em 2006 pelo CNJ veda expressamente o adicional por tempo de serviço. O Conselho Nacional de Justiça também condiciona o pagamento de verbas remuneratórias ou indenizatórias não previstas na Lei Orgânica da Magistratura à autorização prévia do próprio órgão.
Em 2018, a Corregedoria Nacional de Justiça pediu que todos os tribunais se abstivessem de pagar "auxílio-moradia, auxílio-transporte, auxílio-alimentação ou qualquer outra verba que venha a ser instituída ou majorada, ou mesmo relativa a valores atrasados, e ainda que com respaldo em lei estadual", sem que fossem previamente autorizados pelo CNJ.
Uma ação movida pelo Partido Novo no Supremo Tribunal Federal (STF) tenta acabar de vez com as sobras do quinquênio. Não há data para a conclusão julgamento. O ministro Gilmar Mendes pediu vista e suspendeu a votação, em março.
Na contramão do processo, o Congresso debate a volta do benefício, com a chamada PEC dos Quinquênios. O Ministério da Fazenda estima que o custo anual pode chegar a R$ 40 bilhões.
Férias
A Constituição limita o subsídio do funcionalismo público ao que ganha um ministro do STF, o que hoje corresponde a R$ 44.008,52, mas magistrados recebem auxílios que não entram no cálculo.
Verbas indenizatórias (como auxílios para transporte, alimentação, moradia e saúde) e vantagens eventuais (como 13º salário, reembolso por férias atrasadas e eventuais serviços extraordinários prestados) são contados fora do teto, abrindo caminho para os chamados "supersalários".
Outro fator que infla os contracheques é a venda de férias. Magistrados têm direito a 60 dias de descanso remunerado por ano - fora o recesso de fim de ano e feriados. É comum que eles usem apenas 30 dias, sob argumento de excesso e acúmulo de ações. Mais tarde passam a receber esse "estoque", a título de indenização de férias não gozadas a seu tempo.
Em 2019, a Corregedoria Nacional de Justiça concluiu uma fiscalização no Tribunal de Justiça de Goiás e determinou que a Corte regulamentasse os casos de interrupção, suspensão e alteração de férias de magistrados com base em "critérios de interesse público". O CNJ deixou claro que o acervo de processos não poderia ser considerado como "causa legítima" para a venda ou alteração das férias.
O Estadão localizou pelo menos três magistrados que receberam, no mesmo ano, indenização por férias que não tiraram no primeiro ano da carreira, na década de 1990. O Tribunal de Goiás não informou como analisou se houve excesso de trabalho, dado o tempo decorrido, antes de autorizar os pagamentos. A Corte afirma que a indenização de férias observa "estritamente as normas e determinações do CNJ e Resolução TJGO 140/2021".
Licença-prêmio
O Tribunal de Justiça de Goiás também vem autorizando a chamada licença-prêmio - temporada de folga remunerada, por até três meses, a cada cinco anos trabalhados.
O benefício foi regulamentado internamente em fevereiro de 2020. Os magistrados podem receber a licença em dias de descanso ou em dinheiro, se as folgas não forem viáveis. O pagamento também não entra no teto remuneratório.
As diretrizes foram estabelecidas pela presidência do Tribunal de Goiás mesmo após o STF mandar suspender os pedidos de licença-prêmio de magistrados. Em 2017, o ministro Alexandre de Moraes notificou todos os tribunais do País sobre a decisão, ou seja, o comando tem alcance nacional.
A decisão de Moraes determina que os procedimentos administrativos para concessão da licença devem ficar suspensos até o STF decidir se o benefício é constitucional. Os ministros vão analisar se magistrados também têm direito às folgas, assim como já ocorre com membros do Ministério Público. O Tribunal de Goiás afirma que a licença-prêmio "observa a legislação vigente".