O Brasil registrou 24.909 casos de acidentes de trabalho e 466 mortes envolvendo menores de 18 anos de idade de 2011 a 2020. É uma média de 2,5 mil acidentes e 47 mortes por ano, segundo estudo da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), publicado nesta 6ª feira (13.out.2023), na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional.
O artigo tem como base dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) e do SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade), que registram acidentes de crianças e adolescentes com idade entre 5 e 17 anos. De acordo com cálculos da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), mais de 1,8 milhão de menores de idade com essa faixa etária (4,6%) eram vítimas de trabalho infantil em 2019.
A parcela indicada no artigo recém-publicado corresponde a 3% do total de acidentes graves de trabalho documentados pelo Sinan. O que se observa, em relação ao perfil das vítimas, é que a maioria é do gênero masculino (82%), tem 16 ou 17 anos (85%) e é branca (44%).
Embora haja predominância de brancos em relação ao índice geral, quando o recorte é de riscos no contexto do trabalho infantil, a proporção de crianças e adolescentes negros, ou seja, pretos e pardos, é maior, de 56% contra 40% de brancos. Além disso, percebe-se que o setor de serviços tem sido o que mais agrava a situação de trabalho infantil no país, atualmente.
Segundo o artigo, os casos estão relacionados ao emprego como entregador de delivery ou outros produtos, vendedor ambulante em centros urbanos, trabalhador doméstico ou de cuidador. Os segmentos como agropecuária, indústria extrativista e construção civil ocasionam mais mortes.
No período analisado, houve aumento de 3,8% no número de registros de acidentes com crianças de 5 a 13 anos, idade em que o trabalho é ilegal, segundo a legislação brasileira. As outras faixas de idade, de 14 a 15 anos e de 16 a 17 anos, apresentaram em torno de 50% de queda de registros no período.
A autora principal do estudo, Élida Hennington, professora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fiocruz, afirma que os números reais são “aterradores”, apesar de ficarem muito abaixo do que é registrado. “A gente tem de continuar essa luta especialmente para combater o trabalho infantil, não é nem para prevenir acidentes”, afirma.
“Imaginando que isso é apenas uma parte da realidade, isso tem um peso grande para esse problema. Acho que não existe uma solução mágica nem a curto prazo. Acho que deve haver um esforço dos governos federal, estadual e municipal e da sociedade, tem que ser um grupo articulado, envolvendo Ministério Público, conselhos tutelares, escolas, para a gente conseguir olhar para esses diagnósticos feitos e propor ações mais contundentes e que possam, de fato, impactar essa realidade”, diz.
A secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) Katerina Volcov comenta que há no país muito desconhecimento sobre o que configura trabalho infantil e que isso faz com que casos sejam reportados como negligência ou tenham outra caracterização oficialmente. Isso acaba levando a subnotificação nos índices.
Muitos acidentes com crianças e adolescentes são registrados no ambiente doméstico, na condição de trabalhadores. Isso faz com que o problema fique invisível, sem que se tornem conhecidas pelas autoridades, segundo Katerina. Para a secretária executiva, esse tipo de exploração exige o aprimoramento e a articulação de políticas públicas ao mesmo tempo, para que se solucione desde a pobreza e o atendimento de saúde até o sistema de educação e à organização de cooperativas.
“O trabalho infantil é a ponta do iceberg da desigualdade social. Quando você o vê, é porque uma série de direitos não foram efetivados para aquela criança, para aquele adolescente e para aquela família”, sintetiza ela.
Com informações da Agência Brasil.