A prefeitura de Ouro Preto (MG) deu entrada nos Estados Unidos em uma ação judicial, em seu nome e em nome de outras 6 cidades mineiras. Os alvos são os bancos Merril Lynch, Barclays (LON:BARC) Capital, Citibank e JP Morgan.
Eles são apontados como financiadores de empreendimentos de risco da Vale (BVMF:VALE3), mineradora envolvida nas tragédias ocorridas em Brumadinho (MG) em 25 de janeiro de 2019, e em Mariana (MG) em 5 de novembro de 2015. Foi anexado um levantamento que aponta para empréstimos realizados desde 2011, somando um total de US$ 17,2 bilhões.
As instituições financeiras são acusadas de lucrarem com as operações da mineradora e não se preocuparem com os prejuízos causados às comunidades. “A Vale não tinha recursos financeiros para perpetuar sua estratégia sistêmica de dizimação do meio ambiente dentro dos limites municipais”, diz a ação.
Os bancos são também apontados como investidores importantes da mineradora. Dessa forma, estariam lucrando com os juros dos empréstimos e também com o aumento do valor das ações da Vale. Além disso, os financiamentos teriam se mantido e até aumentado mesmo depois das tragédias ocorridas.
O processo começou a tramitar em setembro no Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Sul de Nova York. A Agência Brasil teve acesso em 1ª mão ao pleito apresentado. Representada pelo escritório Milberg, a prefeitura de Ouro Preto informa ao juízo que fala também em nome das prefeituras de Barão de Cocais, Itabira, Itabirito, Mariana, Nova Lima e São Gonçalo do Rio Abaixo.
A ação diz que, nos últimos anos, barragens inseguras foram paralisadas e populações que moram no entorno passaram a conviver com sirenes avisando dos riscos de rompimento, sendo que algumas comunidades foram evacuadas. São listadas as consequências econômicas da situação: ônus adicionais aos municípios no apoio aos atingidos, desvalorização de propriedades e aumento dos gastos com saúde, segurança pública e outros serviços sociais.
“Os municípios estão enfrentando uma perda tangível de receita. A receita do imposto sobre vendas, uma parte significativa de sua força financeira, diminuiu à medida que a economia local desmorona”, afirma a ação.
São mencionados danos ao patrimônio físico e cultural, ao meio ambiente e à qualidade de vida e os suportados pelos moradores. A cidade diz que a pressão sobre a população cria um custo físico, financeiro e emocional.
“A ameaça de rompimento de barragens, evacuações frequentes e fechamento de estradas afetaram a sua capacidade de sustento, causando perdas de rendimento significativas”, afirma.
A ação pede que o tribunal leve em conta a legislação brasileira, mais especificamente a Lei Federal 6.938/1981, conhecida como Lei Nacional de Política Ambiental. Ao mesmo tempo, defende que Nova York é o foro apropriado para discutir a questão, tendo em vista que os bancos não se submetem à jurisdição brasileira e que as evidências dos empréstimos se encontram na metrópole norte-americana.
As cidades citadas na ação estão situadas no chamado Quadrilátero Ferrífero, que concentrou o maior número de episódios de evacuação. Elas foram resultado de um pente-fino realizado por órgãos de fiscalização depois da tragédia ocorrida em Brumadinho, na qual 270 pessoas perderam suas vidas na avalanche de rejeitos liberada no colapso de uma estrutura da Vale.
Na época, também foram aprovadas legislações proibindo a existência de barragens erguidas por alteamento a montante. Esse método está associado à tragédia em Brumadinho e ao desastre ocorrido em Mariana, com a ruptura da estrutura da Samarco, mineradora que tem como acionistas a Vale e a BHP Billiton.
No episódio, 19 pessoas perderam a vida e populações de dezenas de cidades da bacia do Rio Doce foram impactadas. A eliminação das barragens alteadas a montante se tornou obrigatória. A Vale, assim como a maioria das mineradoras, ainda não cumpriu integralmente a legislação, o que a levou a assinar um termo para pagar R$ 251 milhões.
Corresponsabilidade
Segundo a prefeitura de Ouro Preto, os empréstimos a empreendimentos da Vale desde 2011 causaram degradação no Quadrilátero Ferrífero e os bancos são corresponsáveis pelos danos causados. Ela cita 21 barragens da Vale classificadas como de alto risco associado, o que significa que armazenam grandes volumes de rejeitos e possuem comunidades com atividades socioeconômicas no entorno.
O município diz que algumas dessas estruturas não são certificadas como estáveis ou já criaram em algum momento preocupações relacionadas à estabilidade.
Duas vezes ao ano, as mineradoras precisam comprovar à ANM (Agência Nacional de Mineração) a segurança de suas barragens. Na última campanha, ocorrida no mês passado, 25 estruturas situadas em Minas Gerais estão embargadas por falta de atestado de estabilidade. Três encontram-se em nível de emergência 3, o último da escala da ANM e que indica risco iminente de ruptura. Duas dessas 3 são da Vale: a barragem Sul Superior, em Barão de Cocais, e a barragem Forquilha III, em Ouro Preto.
De acordo com a prefeitura de Ouro Preto, os bancos não podem argumentar que não sabiam dos riscos dos empreendimentos e tinham poder para forçar uma mudança de comportamento na Vale, mas nada fizeram e continuaram realizando empréstimos de forma incondicional.
A ação aponta ainda violação dos Princípios do Equador, criado em 2002 pela IFC (sigla em inglês para Corporação Financeira Internacional). Eles estabelecem diretrizes para que as instituições financeiras tomem decisões responsáveis a partir da identificação e avaliação dos riscos ambientais e sociais dos projetos a serem apoiados.
“Os réus usaram uma fachada de adesão aos Princípios do Equador para criar uma imagem conscientemente falsa para seus investidores nos Estados Unidos”, diz a ação.
Procurados pela Agência Brasil, os bancos Merril Lynch, Barclays Capital e JP Morgan não se pronunciaram. O Citibank disse que “não fará comentários”. A Vale informou desconhecer a ação.
Com informações da Agência Brasil.