*por Sophie Culpepper
Você estava pensando nas aplicações da inteligência artificial nas notícias em meados de 2021? Para deixar claro, estamos falando de mais de 1 ano antes de o ChatGPT ter transformado a internet em um novo nível de consciência sobre o potencial da tecnologia.
Eu, pessoalmente, não estava, e arriscaria supor que se você, como eu, fosse um repórter em um pequeno veículo de notícias locais, apenas tentando publicar as notícias da semana –e sobreviver–, você também não tinha tempo nem espaço mental para isso.
Sabe quem estava pensando na tecnologia e seu potencial para as notícias locais naquele verão? Uma organização com a capacidade e o financiamento para fazê-lo: a Associated Press. Na verdade, a AP estava usando a “geração de linguagem natural” por quase uma década, desde 2014, “para automatizar a produção de milhares de histórias trimestrais de resultados corporativos – diretamente a partir de feeds de dados financeiros sem intervenção humana.”
Mas, como explicaram o gerente de produto de IA (Inteligência Artificial) Ernest Kung e a gerente sênior de estratégia de IA Aimee Rinehart da AP em um relatório divulgado em março de 2022, “nossa suspeita era de que a conscientização e o uso da IA não estavam se disseminando para os provedores de notícias ‘menores’.” Portanto, a AP lançou uma iniciativa de IA para Notícias Locais com financiamento da Fundação Knight John S. e James L. “para compreender o verdadeiro estado da arte no nível local e promover o uso inteligente e ético da tecnologia de IA que pode ajudar os provedores de notícias locais a aprimorar seu jornalismo, obter eficiências e sustentar seus negócios.” (Divulgação: A Fundação Nieman recebeu financiamento da Fundação Knight.)
Kung e Rinehart começaram fazendo uma pesquisa em cerca de 200 redações de notícias em todos os 50 estados -além de D.C., Guam e Porto Rico – sobre sua prontidão para a IA e quais aplicações da tecnologia seriam mais úteis para eles. As redações pesquisadas incluíram operações de notícias apenas digitais, impressas, de televisão e de rádio. Uma das conclusões mais importantes do relatório de 2022 foi:
“O que a maioria das redações de notícias e seu público precisam é da automação de informações básicas, como conteúdo de mídia social e resultados de esportes de ensino médio. Eles precisam de ajuda para lidar com a sobrecarga de informações. Embora a automação nem sempre envolve IA, ela é frequentemente o primeiro passo em direção à adoção de aplicações de IA mais sofisticadas.”
Desde a conclusão do relatório, a AP lançou um curso de IA com ritmo próprio para redações de notícias locais e projetos de notícias baseados em IA para 15 blueprints. Mas em 10 de outubro de 2023, a organização anunciou, possivelmente, o resultado mais tangível da iniciativa: 5 produtos movidos a IA selecionados dentre mais de 40 propostas e desenvolvidos em parceria com redações de notícias locais específicas, todos disponíveis gratuitamente para outras redações de notícias.
Esses produtos se concentram em:
- Automatizar resumos de incidentes de segurança pública (boletins policiais) diretamente no sistema de gerenciamento de conteúdo para o Brainerd Dispatch em Minnesota.
- Publicar alertas de dados do National Weather Service em espanhol para El Vocero de Porto Rico.
- Automatizar transcrições de vídeos e resumos para criar uma estrutura básica para uma notícia para a emissora de TV KSAT em San Antonio, Texas.
- Aperfeiçoar um aplicativo chamado Minutes que transcreve reuniões do conselho municipal com alertas de repórteres e identificação de palavras-chave para a rádio Michigan Radio, WUOM-FM.
- Classificar dicas e sugestões de notícias da comunidade em um planejador de cobertura para a emissora de TV WFMZ-TV em Allentown, Pensilvânia, que Kung chamou de “nosso projeto mais complexo” em um webinar explicando as cinco ferramentas na quinta-feira.
Os primeiros 4 projetos incluem estudos de caso que explicam os objetivos de cada projeto, sua utilidade para cada redação e os desafios enfrentados, entre outros detalhes (o 5º estudo de caso será publicado “nas próximas semanas”, de acordo com o comunicado de imprensa da AP). E os 3 primeiros projetos incluem o código-fonte público, que as redações interessadas podem acessar no GitHub da AP.
Esses não são, de forma alguma, os únicos exemplos de redações de notícias locais experimentando com IA – no Nieman Lab, em particular, já escrevemos sobre outras redações de notícias locais que estão trabalhando para aplicar a tecnologia na cobertura de reuniões públicas, por exemplo -uma fonte de interesse cada vez mais generalizado no mundo das notícias locais, e uma abordagem que agora está se enraizando em nossa própria área em Arlington -, e sobre os esforços de outra redação para usá-la na moderação de comentários -este último, notavelmente, foi um projeto desenvolvido por meio do NYC Media Lab, que, juntamente com a AP, foi 1 dos 4 beneficiários de US$ 3 milhões da Fundação Knight para desenvolver usos de IA para notícias -. E você pode ter ouvido falar de outra aplicação de notícias baseada em IA muito zombada – as histórias esportivas malsucedidas da Gannett escritas pela Lede AI – um lembrete crucial das limitações da tecnologia e um sinal de alerta para qualquer pessoa que queira usar a IA para publicações jornalísticas sem qualquer intervenção humana.
No entanto, no webinar de quinta-feira, Kung, Rinehart e a equipe das 5 redações de notícias observaram que projetaram cada um desses produtos com uma etapa de moderação humana integrada.
“Eu quero enfatizar na era da IA generativa que, para nós, os humanos ainda vêm em 1º lugar”, disse Kung. “De fato, trata-se de a IA apoiar os humanos. Não se trata de a IA substituir os humanos.”
A equipe da redação de notícias deu exemplos específicos de quanto tempo a tecnologia poderia economizar para eles. Por exemplo, Rafelli González, do El Vocero, afirmou que a automação de alertas de condições climáticas extremas poderia ser mais rápida do que os repórteres humanos, economizando meia hora de trabalho e, potencialmente, salvando vidas. E Brad Rinehart, da WFMZ-TV (sem relação com Aimee Rinehart), disse que a ferramenta de triagem de e-mails poderia economizar até 6 horas por dia para seus jornalistas, dando a eles mais tempo para se dedicar à reportagem.
Renée Richardson, editora-chefe do Brainerd Dispatch, disse: “Todos nós sabemos que nossas redações estão encolhendo”. E completou: “Nossos quadros de funcionários diminuíram em relação ao que costumávamos ter. E constantemente estamos pressionando mais os repórteres, pedindo que façam mais, forneçam mais informações, acrescentem mais elementos, otimizem para mecanismos de busca, criem vídeos, tirem fotos, obtenham mais histórias e raramente damos a eles mais tempo para fazer isso – sempre há pressão.”
Ela acrescentou que o uso da IA para automatizar os boletins policiais é “um projeto em que realmente podemos devolver tempo a eles em seu dia”, ao mesmo tempo em que fornece à comunidade as informações de que ela precisa.
A AP sediará um 2º webinar na 5ª feira (26.out.2023), às 12h no horário do leste dos EUA, no qual os desenvolvedores de outras redações de notícias poderão se encontrar com os tecnólogos envolvidos nesses projetos em salas de discussão para aprender como implementar as ferramentas. Você pode se registrar para o webinar aqui.
Sophie Culpepper é redatora da equipe do Nieman Lab. Ela é cofundadora do Lexington Observer, onde fez reportagens sobre escolas públicas, governo local, desenvolvimento econômico e segurança pública, entre outros tópicos.
Texto traduzido por Bárbara Pinheiro. Leia o original em inglês.
O Poder360 tem uma parceria com duas divisões da Fundação Nieman, de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo consiste em traduzir para português os textos que o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports e publicar esse material no Poder360. Para ter acesso a todas as traduções já publicadas, clique aqui.