Conquistar uma das seis vagas para discursar na tribuna da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) virou sinônimo de capital político entre deputados da Casa. O interesse em compor o seleto grupo de oradores da tribuna, definido diariamente por ordem de chegada, fez com que os parlamentares passassem a dormir no prédio do Legislativo cearense para conseguir discursar por 15 minutos em "horário nobre" da TV Assembleia no dia seguinte.
Nas regras da Casa, os seis primeiros inscritos para falar no primeiro expediente da sessão legislativa ganham o tempo de fala. Como a lista abre às 6 horas da manhã, os interessados chegam horas antes para tomar dianteira na fila. Cada deputado pode se inscrever duas vezes por semana.
A prática ocorre há anos no Estado, mas voltou a se acentuar após base e oposição disputarem um pacote de medidas econômicas e administrativas que o novo governador Elmano de Freitas (PT) enviou à Casa.
Em 14 de fevereiro, um dia antes da votação do pacote, governistas decidiram chegar à noite para pernoitar na Alece e acumular mais tempo de fala na manhã do dia 15. A bancada da oposição também aderiu ao movimento naquela noite e nas semanas seguintes após acusar os governistas de tentar uma manobra para expurgar opiniões contrárias no plenário.
A disputa esquentou e os deputados agora chegam cada vez mais cedo na Alece. "Cheguei 18h30 e já tinham oito deputados governistas aguardando. Retornamos por volta das 23h e alguns tinham ido para casa. Foi quando a gente conseguiu se inscrever para falar hoje", disse Carmelo Neto (PL), sobre os discursos da quarta-feira, 1º.
Com a dinâmica criada, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que trocam críticas ao longo do dia, passaram a confraternizar durante a noite nos corredores do Legislativo.
"O primeiro expediente é mais disputado porque tem maior repercussão da fala dos parlamentares. Como só são 6 vagas, as pessoas chegam bem cedo para garantir essa vaga de 15 minutos que pode ser aparteada permitindo um debate rápido e contraponto de ideias", afirmou a deputada Larissa Gaspar (PT).
Na última quarta-feira, 1º, por exemplo, os parlamentares da oposição fizeram discursos exaltados contra a gestão da Saúde do governo petista. A oposição acusa a base de tentar boicotar o segundo expediente e ignorar os reais problemas do Estado, enquanto os governistas criticam atitudes de parlamentares bolsonaristas.
Mas, durante a noite o clima bélico se desmonta. Governistas e oposição dividem um mesmo dormitório improvisado na sala da presidência da Casa. Alguns dormem no sofá, outros, no chão. O clima é de camaradagem: os opositores dividem comida e até jogam cartas. "Nem aparecem as divergências que se afloram no plenário. É um clima muito cordial de fazer brincadeiras, contar piadas e histórias", afirmou Assis Diniz.
Horário nobre
O deputado governista Assis Diniz (PT) avalia que a criação da TV Assembleia, há 17 anos, inaugurou o interesse por dominar os primeiros discursos da manhã. "Esse seria o horário nobre da TV, onde a imprensa está. Tem uma maior presença de público e maior audiência e isso torna um atrativo do debate político", disse. "Os deputados até brincaram que nos 3 primeiros meses (da legislatura) é mais do que natural que haja essa guerra para ocupar o espaço."
A deputada Dra. Silvana (PL), da oposição, entende que a Alece está caminhando "para um clima de guerra". "Se fosse o caso, eu acamparia para garantir tempo. Isso é desnecessário, mas para não ser derrotada por falta de disposição física, eu enfrento."
"Não somos mais jovens, e eu posso testemunhar vossa excelência dormindo no chão dessa Casa legislativa aguardando para se inscrever", disse a deputada Dra. Silvana para o colega Almir Bié (PP) em sessão do dia 1. "Não sei se vamos divergir ou convergir na maioria dos pontos, mas saiba, o que eu estiver ao meu alcance, pode contar com essa parlamentar", completou.
Segundo a assessoria de imprensa da Alece, a presidência da Casa avalia rever o modelo de inscrição e vai levar a discussão ao Colégio de Líderes. O objetivo é estudar um novo modelo que evite as pernoites. "Está sendo realizado um estudo para que possa modificar a questão da presença para um sistema de biometria, como já está previsto no Regimento, mas ainda é necessário que se desenvolva um dispositivo adequado", afirmou em nota.