Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - O governo brasileiro não pretende reconhecer a declarada vitória de Nicolás Maduro como presidente eleito da Venezuela sem a entrega das atas de votação, ao mesmo tempo que trabalha com a Colômbia em possíveis soluções para a crise no país, inclusive a proposta de uma nova eleição ou um governo de coalizão.
Em falas separadas nesta quinta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu assessor especial de política externa, embaixador Celso Amorim, citaram a discussão de possíveis alternativas.
"Se ele (Maduro) tiver bom senso, ele poderia fazer uma conclamação ao povo da Venezuela, quem sabe até convocar novas eleições, estabelecer um critério de participação de todos os candidatos, criar um comitê eleitoral suprapartidário que participe todo mundo e deixar que entrem olheiros do mundo inteiro para ver as eleições", disse Lula em entrevista à rádio T, do Paraná.
A proposta, que já vinha sendo aventada pela Colômbia, foi parte da conversa entre Lula e o presidente colombiano, Gustavo Petro, na tarde de quarta-feira.
"Tem várias saídas. Fazer um governo de coalizão. Convoca a oposição. Muita gente que está no meu governo não votou em mim, e eu trouxe todo mundo para participar do governo", acrescentou Lula.
Em seguida, em sua conta no Twitter, Petro citou a necessidade de um acordo político interno na Venezuela, a criação de um governo de coalizão transitório e a realização de novas eleições, na mesma linha de Lula.
"Um acordo político interno da Venezuela é o melhor caminho para a paz. Depende apenas dos venezuelanos", escreveu.
A ideia também chegou ao presidente norte-americano, Joe Biden, que questionado se apoiaria novas eleições no país, respondeu que sim.
Um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA disse mais tarde que Biden estava "falando sobre o absurdo de Maduro e seus representantes não terem sido honestos sobre as eleições de 28 de julho", sem voltar atrás totalmente no comentário de Biden sobre novas eleições.
O porta-voz acrescentou que está "absolutamente claro" que o candidato da oposição, Edmundo González, venceu a eleição.
"FALTA DE RESPEITO"
Em Brasília, durante audiência pública no Senado, Amorim disse que Biden deve falar com Lula novamente nesta semana sobre a questão venezuelana.
A ideia das novas eleições, no entanto, já foi descartada pelos dois lados em disputa na Venezuela. A líder da oposição, María Corina Machado, chegou a dizer que a proposta é uma "falta de respeito" com os venezuelanos.
Maduro rechaçou os comentários de Biden e Lula, dizendo que os Estados Unidos e o Brasil já tiveram eleições contestadas nas quais a Venezuela se absteve de se envolver.
"Eu rejeito absolutamente que os Estados Unidos estejam tentando se tornar a autoridade eleitoral da Venezuela", disse Maduro na televisão estatal.
"Biden deu uma opinião intervencionista sobre as questões internas da Venezuela."
Em audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado, Amorim afirmou que o Brasil não está trazendo a questão de novas eleições como uma proposta brasileira. Segundo ele, é uma das ideias que surgiram em conversas entre os países que tentam encontrar uma solução para a crise na Venezuela.
"Não propus e não está sendo discutido novas eleições. É uma ideia, como há outras", disse, mas apontando que os dois lados deveriam aceitar, já que ambos alegam terem vencido o pleito.
De acordo com uma fonte diplomática brasileira ouvida pela Reuters, a determinação dos presidentes de Brasil e Colômbia ao seus chanceleres -- o brasileiro Mauro Vieira reuniu-se com seu colega colombiano, Luis Gilberto Murillo, nesta quinta -- foi para intensificar as conversas com os dois lados para tentar encontrar uma solução que seja factível para ambos.
A maior questão, no entanto, é que o governo de Nicolás Maduro esteja disposto a negociar e que se pare com prisões arbitrárias e casos de violência contra opositores, disse a fonte.
Um telefonema pedido pelo presidente venezuelano a Lula, disse a fonte, só vai acontecer se houver avanços nessas questões.
Outras propostas também não impedem o governo brasileiro de continuar insistindo na divulgação das atas das mesas de votação por parte do governo venezuelano. Nesta quinta, Lula e Amorim deixaram claro que não haverá reconhecimento da declarada vitória de Maduro sem apresentação dos documentos.
"Ainda não. Ainda não. Ele (Maduro) sabe que está devendo uma explicação para a sociedade brasileira e para o mundo. Ele sabe disso", disse Lula, ao ser questionado na entrevista de rádio se reconhecia Maduro como presidente reeleito da Venezuela"..
Segundo o presidente, não é possível ter uma posição sobre as eleições no país vizinho até que sejam entregues as atas de votação.
No Senado, Amorim repetiu a posição externada por Lula. "Se não houver um acordo, não houver algum avanço, não. Não vamos reconhecer um governo se não aparecerem as atas", disse ele o ser questionado pelos senadores.
A autoridade eleitoral da Venezuela proclamou Maduro vencedor da eleição com 51% dos votos, mas não divulgou a contagem completa.
As contas em poder da oposição, publicadas em um site público, mostram que o candidato de oposição, Edmundo González teria, recebido 67% dos votos.
(Reportagem de Lisandra Paraguassu; Reportagem adicional de Eduardo Simões, em São Paulo; Costas Pitas, em Washington; Candelaria Grimberg, em Buenos Aires; e Vivian Sequera, em Caracas; Edição de Pedro Fonseca)