Por Mike Dolan
LONDRES (Reuters) - Quase tão surpreendente quanto os eventos chocantes do fim de semana em Brasília foi o quão pouco os mercados mundiais pareceram reagir a isso - mostrando que os investidores talvez já estejam preparados para uma era geopolítica mais volátil após as tensões relacionadas à Rússia e à China em 2022.
E, no entanto, apenas um ano depois que a maioria dos mercados descartou as chances de uma invasão em grande escala da Rússia na Ucrânia, apesar de Moscou ter concentrado tropas na fronteira por várias semanas e da gravidade das consequências econômicas subsequentes em todo o mundo, ainda é estranho ver outro risco político significativo ser quase ignorado.
Com certeza, alguns minimizam os eventos como um choque em si. Muitas vozes no Brasil consideram que a invasão do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF) no domingo por milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro não foi nenhuma surpresa - e apenas ressaltou as profundas divisões do país.
Bolsonaro, visto como um seguidor do ex-presidente dos EUA Donald Trump, ainda não admitiu de forma cabal a derrota nas eleições de outubro e chegou a fazer alegações falsas de que o sistema eleitoral brasileiro é propenso a fraudes, provocando um movimento violento de negacionistas das eleições.
O ataque aos prédios públicos ocorreu poucos dias após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vencedor nas eleições acirradas de outubro.
Lula parece ter restaurado a ordem na capital em meio a milhares de prisões. E muito importante, para um país que pôs fim a duas décadas de regime militar somente em 1985, o exército até agora não reagiu às demandas dos manifestantes por um golpe.
Os investidores - questionados sobre suas reações iniciais - aparentemente veem todo o evento como algo pontual e preferem, em vez disso, se concentrar nos planos econômicos de Lula e nas promessas de gastos. O real e o mercado de ações tiveram reações comedidas na segunda-feira, com os spreads dos títulos soberanos em dólar do Brasil também estáveis até o momento.
A agência de classificação de risco Moody's disse não ver os tumultos de domingo afetando o rating soberano de longo prazo Ba2 do país por si só. Embora possam surgir implicações negativas no perfil de crédito caso os atos violentos persistam e levem a perturbações econômicas, a agência acrescentou que vê a probabilidade de isso acontecer como pequena.
A Moody’s não tratou maiores preocupações institucionais sobre a resiliência da democracia brasileira ou o risco de um regime militar e como as democracias ocidentais aliadas, que condenaram amplamente os distúrbios do domingo, podem precisar reagir a um resultado tão extremo em termos de sanções.
Os episódios, talvez, tenham sido apenas mais um dia volátil na tensa política brasileira e todo mundo já viu isso antes..
BRICs
Os ativos brasileiros, porém, não parecem, à primeira vista, barganhas que precificaram todos os piores cenários. Impulsionados pelo movimento favorável de commodities que se seguiu à invasão da Ucrânia no ano passado, o real e o Ibovespa registraram um desempenho superior ao de ativos de outras grandes economias nos últimos 12 meses.
O que muitos bancos apontam é o prêmio de risco assumido já embutido nas taxas de juros reais brasileiras.
O Banco Central do país foi um dos primeiros a começar a subir os juros após a pandemia e elevou a Selic em 11,75 pontos percentuais desde o começo de 2021, para 13,75%. O juro tem permanecido nesse patamar desde agosto, passando por todo o processo eleitoral, e é o mais alto entre as principais economias em desenvolvimento, mesmo com a inflação caindo quase pela metade no ano passado ante taxa de 10% em 2021.
Estrategistas do JPMorgan (NYSE:JPM) disseram que seu modelo de curto prazo coloca o valor justo da moeda brasileira em torno de 5,15 por dólar. Eles também disseram que dados mostram que a posição estrangeira em real está perto de mínimas dos últimos dois anos.
O Goldman Sachs (NYSE:GS) calcula que o aumento dos juros ajustado à inflação mantém a moeda atrativa e suas métricas sugerem um "prêmio de risco idiossincrático" de quase 20% no real - deixando espaço para ganhos mesmo que os mercados continuem a precificar alguns riscos políticos.
Mas, para além dos mercados brasileiros, a calma dos mercados globais em torno dos eventos do fim de semana foi igualmente curiosa.
Afinal, o Brasil é a 12ª maior economia do mundo e um dos maiores exportadores de alimentos e matérias-primas. Com a inflação global sendo o bicho-papão econômico do momento, qualquer coisa que ameace uma escassez ou outro choque de oferta tem potencial para gerar oscilações.
E como uma ameaça à democracia no Brasil poderia posicionar o país em relação a importantes aliados ocidentais ou outras autocracias dentro do BRIC, grupo de grandes economias emergentes de longa data, incluindo Rússia, Índia e China?
Talvez os investidores já estejam além isso.
De acordo com o indicador de risco geopolítico da BlackRock (NYSE:BLK), que rastreia a frequência relativa de notícias e relatórios de corretoras sobre riscos geopolíticos específicos e aumentou no final do ano passado, investidores estão prestando mais atenção a esses riscos do que há pelo menos cinco anos.
Entre os dez maiores riscos que o índice lista por probabilidade estão os políticos dos mercados emergentes que ameaçam as instituições políticas.
Na abertura de sua conferência sobre as perspectivas dos mercados para 2023 na terça-feira, o Goldman Sachs concentrou-se na geopolítica como tema dominante.
Alex Younger, consultor do Goldman e ex-chefe do serviço de inteligência MI6 do Reino Unido, disse que o passado recente pode não ser um bom guia de como as coisas se desenrolarão a partir daqui.
"Talvez a economia vença no final, mas no momento a geopolítica está em alta", disse. "Os últimos 30 anos foram provavelmente a anomalia. Desista da ideia de alguma reversão significativa."
As opiniões aqui expressas são do autor, colunista da Reuters.